quinta-feira, 31 de julho de 2014

Diário de Bordo- Créditos

Tinha dado por encerrada a série de textos que relatava um pouco da nossa viagem em torno da Copa do Mundo. Sobraram algumas ideias, como por exemplo, uma sobre os bolões e a imprevisibilidade do futebol e outra sobre o dinheiro e como os sonhos custam caro. Ainda a bordo eu havia decidido não mais tocar no assunto Copa. Os Alemães nos deram alguns (7) bons motivos para calar.

Mas, ainda faltava algo. Algo não, alguém.

Seria injusto terminar as estórias da história sem ao menos citar o Seo Mário. Então, façamos justiça.

Seo Mário (Que Mário?) foi o motorista ao longo da nossa aventura. O comandante que nos levou por 10 estados dessa terra. Mas nesse período de um mês Seo Mário também foi nosso amigo, nosso companheiro e o patriarca da Família Pitanguá.

Para comandar a embarcação ele tinha um chapéu, uma luneta, uma garrafa de rum e um papagaio no ombro. Um boné cinza escondia sua careca e seus cabelos grisalhos. Para ver além do mar de carros seus óculos ampliavam a visão. A qualquer parada aproveitava a oportunidade para preparar o seu chimarrão. Ao seu lado, lhe fazendo companhia, estava sempre um de nós, papagaiando.

Na rotina do Seo Mário as viagens longas como a nossa não são frequentes. Ainda assim ele topou levar os 9 meninos-homens Brasil afora. Talvez uma consequência direta desse trauma seja o fato de ele querer se aposentar. Era só aquela e mais uma.

Duvido!

Seo Mário tem fome de estrada. A única coisa que gosta mais do que dirigir é dar uma geral no Motorhome. Em um dos nossos trechos ficou praticamente 24 horas na boleia com um descanso de apenas 2 horas.

Mesmo dormindo pouco Seo Mário não tem muitos problemas com o sono. Uma poltrona mais ou menos aconchegante já basta para que ele anuncie, por meio de roncos, que está dormindo.

Ele também estava cansado da viagem. Reclamava quando o pessoal bebia demais. Chamava-nos de alcoólatras e, por vezes, resmungava “esses bêbados aí...”. Mas com a mesma intensidade com que reclamava também usava seu humor para tirar sarro da gente.

Em nossos 33 dias de viagem ele cuidou de nós e nós cuidamos dele. Cozinhávamos e quando parecia que ninguém ia se mover ele mesmo ia para as panelas. Ele nos levou pelo Brasil e em nossas caminhadas nós também o levamos. Fez companhia e nos acompanhou.

Viver na estrada é o seu caminho. Ele quem escolheu. E também escolheu estar perto da família. Ele é um dos responsáveis pela empresa em que atua ao lado do filho, Marco, que também esteve conosco por uma semana. Sua filha, quando o pai voltou para casa deve ter ficado muito feliz ao ver que o pai carregava consigo mais de 10 litros de água de coco. “Minha filha adora água de coco”.

Ainda na viagem vi uma postagem no Facebook depois do fatídico 7 x 1 de uma menina que dizia estar feliz, apesar da derrota, por que o seu avô voltaria mais cedo para casa.

Menina, desculpe-nos por deixar seu vô tanto tempo longe. Mas muito obrigado por deixá-lo tanto tempo perto de nós. Curtimos muito o seu Mário. Agora é sua vez. Aproveite bastante.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Diário de Bordo- The End

Você cara leitora (o Datafolha indica que 85% das visitas no Di-Vagá vêm do público feminino) com certeza já passou pela situação de acabar a luz aí no confronto do seu lar, de onde você lê esse glorioso blog. É uma situação meio estranha. Você está lá, tudo bem, assistindo TV e, de repente, puf.

Sem mais nem menos a energia elétrica se vai. Você precisa fazer alguma coisa, mas demora até que tome uma atitude. Mesmo em casa, nos seus domínios, é difícil se acostumar com a nova situação. Quando se levanta ainda tenta, inutilmente, claro, acender o interruptor. Não se sabe a causa, você só sabe que não há mais claridade.

Foi mais ou menos isso que aconteceu com aquela seleção que queria carregar seis estrelas no peito. A diferença é que quando acabou a luz da seleção ela estava dormindo. E mais, a Seleção Brasileira era um bebê, indefeso, dormindo, enquanto acabou a luz.

O apagão diante da Alemanha foi simplesmente vexatório. A ausência de Neymar e Thiago Silva fez falta, mas ainda assim a dignidade deveria ter entrado em campo. Até mesmo a poderosíssima seleção da Argélia, ARGÉLIA, deu mais trabalho aos Alemães. O sumiço em campo não tem explicação. É um mistério que caberá aos estudiosos descobrir.

Mas há explicação para o fato de a Seleção ter perdido a copa. O que acontece é que a Seleção Brasileira não é um time. A equipe de Felipão é um simples apanhado de jogadores que atuam cada um num canto. Entrosamento? Difícil. Veja a última campeã, Espanha, ou até mesmo a nossa algoz, Alemanha. São grupos no qual mais da metade joga junto, enquanto o Brasil é, no máximo, um time em formação. Ao apostar em uma maioria de caras novas o técnico descartou completamente o passado. Renovação é necessária, mas para poder encarar o futuro também é preciso olhar para trás.

Vejamos a seleção que foi campeã em 2002. De todos os jogadores convocados naquele ano seis deles haviam disputado a Copa anterior e já vinha há muito tempo jogando pela seleção. Havia uma identidade, uma cara, um jeito, um time.

Na seleção atual, além das promessas, há ainda diversas posições não consolidadas. No período anterior havia jogadores incontestáveis em cada setor e um reserva a altura.

Além disso, vamos admitir, a safra atual de jogadores brasileiros não é boa. Nas Copas anteriores além dos convocados havia uma boa gordura de injustiçados que ficavam de fora. Na seleção do nosso último triunfo quatro deles já haviam sido ou viriam a ser agraciados como melhor do mundo. Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Kaká jogavam no mesmo time. Hoje apostamos todas nossas fichas em apenas um jogador de 22 anos.

O time atual é fraco. Nós acreditávamos por que tínhamos que acreditar. Se não fossem os brasileiros, quem seria? Os Argentinos?

Talvez, daqui a alguns anos, na próxima Copa, possamos dizer que temos um time, que joga junto, que se conhece e que tem jogadores que merecem vestir a camisa amarela. A surra que levamos pode servir de aprendizado. A própria Alemanha, na última copa, havia investido em uma nova geração. Assim sendo, esse time derrotado pode e deve servir como base para uma equipe vitoriosa.

Mas ainda assim, perder a Copa em casa deixou um gosto ruim na boca. Alguém colocou uma cebola no meio dos doces da nossa festa. E nós tivemos que engolir. Em nossa própria casa ficamos bêbados antes da hora e fomos dormir, deixando a festa para os convidados. Colocamos nossa melhor roupa, pensamos em todos os detalhes, passamos maquiagem para esconder os defeitos, recebemos todos na porta, cumprimos o protocolo, fizemos todas as honras, para acabar vergonhosamente.

Para nós a festa acabou. O ópio acabou. Se a taça poderia amenizar um pouco a realidade do país, nem para isso mais ela serve.

Agora é bola pra frente. A vida continua. Até a morte.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Diário de Bordo- “Oportinidades”

Há dias em que adiamos os dias.
Há dias em que os dias se vão.
Há dias que se tornam vãos.

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A caravana da Família Pitanguá já passou, até agora, por Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e agora estamos em Alagoas. Ficamos ao menos um dia nas capitais e também visitamos outros municípios, todos distantes da nossa fria Curitiba.

Eu, particularmente, jamais havia visitado os locais pelos quais passamos em menos de um mês. Conhecer essas localidades, seus habitantes, suas praias e seus atrativos é uma das principais partes do nosso legado particular da Copa do Mundo.

Quando essa estória começou, tudo parecia brincadeira ou mais uma ideia maluca do Michel (o Michel é bom em ter ideias mirabolantes que ninguém jamais teria e que, frequentemente, dão certo). Para tornar possível essa jornada se passaram quatro anos, ou seja, foram 1.460 dias planejando esses 30 dias que irão durar para sempre.

Passado este período voltarão as namoradas, o trabalho, os outros amigos, as famílias, as contas, os estudos, os horários, mas nós não voltaremos os mesmos.

O Teta e o Mimi, os integrantes que, até agora, têm filhos, poderão apontar o mapa e dizer para os seus bacuri que, com oito amigos, foram para todos estes pontos longínquos desse continente em forma de país.

A oportunidade de viver tudo isso é única. Conhecer diversos locais tendo como pano de fundo a Copa do Mundo em nosso país é como um anúncio de loja que diz que “é só amanhã”. A diferença é que, às vezes, é você mesmo que deve criar suas ofertas.

Um atacante com a bola de frente para o gol não pode chutar para fora. Às vezes as chances retornam, mas a oportunidade de viver é única. VIVA!

sábado, 5 de julho de 2014

Diário de Bordo- Não há guerra sem baixas

Ninguém sai ileso de uma guerra. Por mais que existam “vencedores”, todos os envolvidos acabam perdendo. Um soldado. Um marido. Um amigo. Alguém querido e insubstituível. Ontem, em nossa guerra esportiva, perdemos nosso mais importante soldado.

No mundo corporativo se diz com frequência que ninguém é insubstituível. É verdade. Neymar será substituído, mas só Neymar é Neymar. Talvez o substituto possa compensar a ausência do nosso menino à altura. É difícil, mas não impossível. Exemplo? Se Edmundo começasse jogando em 98 o resultado muito provavelmente seria diferente. Talvez não ganhássemos, mas seria diferente.

A seleção brasileira não é totalmente dependente de Neymar. Quem defende os pênaltis e outros perigosos tiros é Júlio César. Quem faz a contenção e comanda a tropa é David Luiz e Thiago Silva. Quem corre por fora, levando a munição pelos flancos é Marcelo. Quem mantém o time fechado e evita os ataques inimigos é Luiz Gustavo. Quem realiza a dupla função de atacar e defender é Fernandinho. Quem faz o meio de campo é Oscar, que já venceu uma batalha praticamente sozinho. A seleção brasileira não é só Neymar.

Claro, ele é decisivo. Desequilibra. É o nosso principal jogador, nosso homem gol. Mas ele é parte de um time e agora, mais do que nunca, teremos que jogar como um time. A partida contra os alemães começará com 11 jogadores em campo para ambos os lados. O que irá definir o vencedor é aquilo que será feito dentro de campo, mas os fatores externos também influenciam e até mesmo a ausência de Neymar poderá incentivar os jogadores que irão para a partida. Como disse o Negs, todos deverão entrar vestindo a camisa 10 por baixo. De acordo com o Gordo, 100% de cada jogador não vai bastar. Cada um deve jogar mais 20% por Neymar.

Uma falta tirou o nosso soldado de combate, agora veremos o tamanho da falta que Neymar vai fazer ao nosso escrete.


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Nossa viagem também terá uma grande baixa. Nessa noite o Negs nos deixa, volta para Curitiba e depois nos encontra de volta no Rio. Te vejo na final Neguin.

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Pequenos aforismos da copa:
- Amanhã vou acordar 6h e vou pra praia. Vou chamar todo mundo pra ir.
- Que horas cê vai voltar?
- Ah, acho que umas 11h.
- Então quando cê voltar cê me acordar!

Piada oficial de toda a viagem:
- A gente podia dar uma corridinha na praia depois, né!?

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Diário de Bordo- O diamante da chapada

Nossa viagem fez uma escala saindo de Brasília e partindo para Salvador. Já estava planejado parar na Chapada Diamantina para aproveitar a oportunidade, já que passaríamos muito perto dali e tínhamos tempo disponível. O que era para ser uma simples escala se tornou uma das importantes partes da viagem.

Nessa jornada já passamos por locais totalmente diferentes. Conhecemos Brasília, a cidade projetada por Niemeyer, e apenas alguns dias depois estávamos deitados em cima de uma pedra para poder ver o final de uma cachoeira de aproximadamente 400 metros de queda.

Ali em Palmeiras, um dos municípios que cerca a chapada, o que se prometia era a natureza, em contraponto aos estádios cheios de concreto que já conhecemos.

Em nosso primeiro dia ali fomos conhecer o Rio Pratinha e a Gruta Azul, belezas naturais que pertencem a uma propriedade particular e que, portanto, cobra entrada e tudo mais que puder ser cobrado lá dentro. Na gruta azul a luz do sol passa por uma fresta entre 14h e 15h e ao encontrar a água a deixa...azul. Você pode desfrutar de toda essa beleza pelo tempo de duração de uma foto, uma vez que a fila de turistas lhe aguarda para fazer o mesmo. Apreciar a paisagem? Pra quê? Tire uma foto sorrindo e poste no Facebook o quanto antes.

No Rio Pratinha havia a possibilidade de mergulho de superfície, que não fizemos, mas aproveitamos para tomar um banho e se divertir, afinal, tomar banho de rio é sempre bom, mesmo que se pague entrada para isso.

A grande descoberta deste primeiro dia foi a farofa de dendê. O almoço demorado e em pequenas quantidades teria sido muito frustrante não fosse a farofa. Poderíamos ter pedido só ela, inclusive. Feita com azeite de dendê, a farofa, diferentemente das convencionais, não é seca, o que faz com que ela possa ser comida isoladamente ou até com alimentos que geralmente não acompanham farofa, como salada ou até mesmo cerveja, como o Negs fez.

Na manhã seguinte fomos conhecer uma cachoeira que fica dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Conhecê-la custa caro. Você deve pagar 6 Km de caminhada com um desnível de 350 metros que é feito em aproximadamente 2h na ida. Mas não se iluda pensando que a volta será menos exaustiva e que para baixo todo santo ajuda. O que as costas e coxas sofrem na ida o joelho sofre na volta. Mas não desista. Vale a pena. Todo o esforço é pago com a paisagem oferecida pela cachoeira da fumaça, que tem esse nome por que o vento vindo debaixo sopra a água para cima e, por vezes, não chega a encostar o rio lá embaixo.

Uma dica importante: Não se perca. Caso contrário sua caminhada e exaustão serão ainda maiores e você deixará seu guia baiano desesperado e emitindo apenas uma palavra: “raaapaaaaaaaaaaz”.

Mas a cidade de Palmeiras tem ainda outro atrativo da natureza. A natureza humana. Na praça em frente à Câmara Municipal um vigia da prefeitura chamado Dadá fica por ali fazendo a ronda todos os dias das 20 às 24h. Puxe um papo qualquer e verá o quanto a humildade é encantadora.

Dadá é nascido e criado em Palmeiras. Trabalhou na época da exploração de diamantes, chegou até a ter um garimpo, quando a atividade já estava em decadência, mas a maior parte do período passou trabalhando em bares, restaurantes e panificadoras.

Segundo Dadá a cachoeira da fumaça vale a pena ser vista, embora ele não encontre muita graça. “Você sobe tudo aquilo e quando chega lá em cima vê só aquele buracão enorme, que você nem pode chegar muito perto”. A presença de seres extraterrestres no local também não é muito frequente, segundo ele. “Não vêm muito aqui não. Só de vez em quando”.

Desde as coisas mais simples às mais complexas da vida podem chegar ao papo e ele, com sua paciência, sua fala mansa e seu dialeto macio vai tratar dos assuntos de uma forma que torna até a descrição da rotina de um restaurante o tema mais interessante do mundo.

Conversar com Dadá te dá um dos maiores diamantes que a chapada pode lhe oferecer. O ser humano ainda é bonito.