segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A perdida

A sociedade sempre a julgou como perdida. E naquele dia ela saiu determinada. Nada iria a parar, nada. Iria penetrar e não mais voltar.

O pai foi quem ordenou que ela saísse da sua casa quente e fria para morar em alguém. Bastou o dedo para que ele ordenasse e ela partisse.


Já tinha disposição. Nasceu para isso. Sua vida foi feita para sair e entrar.


Estava vestida para matar. Seu vestido metalizado a faria chocar.

A safada nem esperou até a noite. Saiu sob o sol, na vista de todos.

Saiu rápida, cortando o vento e soltando fumaça pelas ventas.

Fez barulho, muito. Estrondosa.

Apesar do esforço, muita gente nem a viu. Não reparou. O lugar onde ela foi muitas vezes não é visto.

Embora perdida, saiu decidida.

Em sua perdição encontrou alguém. Achou o corpo que tanto procurava. Encontrou uma vida. A bala perdida levou à morte uma criança de 7 anos.


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A Televisão

Acabo de fazer a melhor aquisição da minha vida.

Comprei uma televisão.

Para vocês eu sei que pode parecer que foi muito dinheiro, mas não foi. A utilidade dela faz valer cada um dos seus 89.999 reais. Ao longo dos próximos 10 meses vou desembolsar R$ 8.999,90.

A minha nova televisão, que vem para substituir aquela que tinha Vídeo Cassete integrado, tem 85 polegadas. Posso assistir em uma tela de cinema as notícias de que manifestantes pedem a intervenção militar no Brasil. É uma maravilha ouvir por meio de um sistema de áudio de 120W e alto-falantes Sub-Woofer que pessoas se manifestam pelo direito de ser torturadas e mortas caso queiram se manifestar novamente.

Com a resolução Ultra HD 4k posso ver com completa nitidez que de uma certa maneira esse tipo de intervenção já existe. O pedreiro Amarildo não pode.

Se canso de assistir tv posso me conectar à internet. Com seu Wi-Fi integrado posso acessar as redes sociais e ver postagens pedindo a separação do país e críticas aos programas sociais do governo. O pessoal que faz isso não tem uma tv igual a minha. Se tivesse, talvez criticasse com a mesma força o poder judiciário, que aprovou uma gorjeta de 4,4 mil mensais para cada magistrado em nome de um auxílio-moradia.

Falta muita informação quando não se tem uma tv como a minha. Mas, felizmente, com esse aumento os juízes poderão ter mais dinheiro, ir a Miami comprar ternos e talvez ter um aparelho como o meu. Por que, cá entre nós, essa é uma coisa que todo mundo tem que ter. Comida não.

Para relaxar um pouco desses assuntos chatos eu assisto o meu esporte favorito. O eletrônico é perfeito para mim (pra quem não seria né!?). Ele conta com o Modo Futebol, que torna suas configurações perfeitas para assistir jogos em que torcedores xingam jogadores de macaco.

Na minha tv milhares de imagens se sobrepõe. É receita em cima de notícia, notícia em cima de dinheiro, dinheiro em cima de celebridades, celebridades em cima de humor, humor em cima de preconceito. É tanta imagem que às vezes não consigo conectar as coisas, como política e falta de água. Mas o que realmente importa é que minha tv tem 4 conexões HDMI e 3 USB.

O jornal local fica uma maravilha na minha tela, que converte a imagem em UHD independentemente do sinal. Ali, ou aqui, vejo os haitianos sofrendo preconceito e xenofobia na nossa bela capital, construída por imigrantes assim como a minha tevê, desenvolvida por uma empresa coreana.

O retrocesso da humanidade fica lindo na minha TV. Compre uma você também!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A vida cobra à vista

E não avisa quando vem o boleto.

Diferentemente do banco, que avisa e ainda deixa parcelar a fatura. Ou seja, até uma instituição dirigida pelo próprio Belzebu, que presta o serviço de guardar o meu dinheiro e cobrar de mim por isso, é mais simpático.

Mas, mesmo com o comunicado, continuo devendo uma quantia significativa. A advertência não me serviu de prevenção.

Não sei como nem quando vou pagar, mas espero que seja logo, para poder me endividar novamente.

Empréstimo está fora de cogitação.

Hoje em dia nem as mulheres andam solidárias. Nenhuma delas anda disposta a me emprestar a sua vulva para que eu tenha alguns minutos de prazer. E são só alguns minutos mesmo, pois tenho ejaculação precoce.

Não preciso de amor. Já o tenho em suas diversas formas, embora ele seja questionado frequentemente por uma das pessoas que amo. A Dona Vera, ou Verônica, deve estar #xatiada por que quebrei a tradição de ir ao seu aniversário sempre com a mesma camiseta desde 2005. Há muito tempo amo a camiseta e amo a Verônica, mesmo que seja só uma roupa e “só” uma amiga.

O traje que usei na festa deste ano comprei durante a minha viagem pela copa, que ainda estou pagando.

Minhas últimas moedas de tempo entreguei ao alcoolismo no final de semana.

Enquanto isso, se acumulam meus deveres universitários. Em minha lista de tarefas tem uma peça, um romance e um artigo para ler. Um trabalho e uma apresentação para fazer e uma análise para escrever. Isso deve ser feito em uma semana e é preciso conviver com as aulas.

Minha situação de pouco tempo e pouco dinheiro se reflete no corpo.

A vaidade está largada à própria sorte. A barba falha me dá um ar de mendigo e meu cabelo se encontra em um estado chamado carinhosamente de “Dread Power”.

Não tenho tempo nem dinheiro para manutenção.

Acho que estou ficando careca. O tempo tira o maior traço da minha identidade.

Me canso de não descansar. Durmo pouco e mal. Acordo atrasado, o que me faz ir de carro ao trabalho, gastando gasolina e estacionamento. Apressado, esqueço a marmita e pago pelo almoço.

Semana passada tive a maior torcicolo de todos os tempos. Até ao médico fui. E você, leitora, caso não conheça os homens, saiba que eles são muito orgulhosos e resistentes para ir ao médico.

Minha chefe falou que preciso praticar atividade física se quiser chegar aos 50.

Se chegar até lá, espero ter lido tudo, feito todos os trabalhos e ter pago minhas contas. Morrer devendo ao coisa ruim não deve ser coisa boa.

No tempo que não me resta escrevo essas coisas nesse blog, que a cada postagem tem seu número de leitores reduzido. Isso é triste, por que para escrever preciso usar a cabeça, objeto que não uso habitualmente.

As eleições acabaram e não tenho mais objetivos, não tenho por quem torcer e não posso mais xingar quem pensa diferente de mim. Por que, sabe, como não uso muito o cérebro não consigo aceitar opiniões diferentes das minhas.

Para piorar toda a situação, meu fone de ouvido estragou só de um lado.

Tá foda.

Se o Corinthians perder pro Coxa eu me mato.



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Quadrilha

João odiava Teresa que odiava Raimundo

que odiava Maria que odiava Joaquim que odiava Lili

que não odiava ninguém.

Teresa quebrou uma garrafa de skol litrão na cabeça de João,

que move um processo contra ela desde então.

A beira da morte, Raimundo e Maria se reconciliaram,

mas não tiveram tempo de se amar.

Maria e Joaquim ficaram eternamente sem se falar.

Lili assassinou J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.



quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Com Tato

Dei a buceta e ele nem me ligou.

Não há nem uma mensagem no whats dizendo que foi bom. Não me adicionou no Facebook. Não deve nem lembrar o meu nome. E depois de ele estar dentro de mim não temos mais nenhum contato.

Finge que nada aconteceu, mas nesse momento deve estar batendo punheta lembrando de mim.

Parecia ser um cara legal. Aparentava ser tímido. Talvez nunca tenha estado com uma menina dentro de um banheiro sujo de balada.

Eu que tive que puxá-lo para dentro do banheiro de deficientes. Eu que tive que abaixar as suas calças.

Achei engraçado quando vi suas cuecas já molhadas.

Deixe-o ainda mais molhado com a minha boca. Quando lambia na cabecinha ele levantava a cabeça. Me segurou pelos cabelos, como manda a etiqueta. Tentava mostrar que era ele quem mandava. Forçava a minha cabeça como quem diz: “ande, me chupe por que eu estou mandando”.

O machão não mandou em nada.

Levantei e virei de costas. Baixei a calcinha até o joelho e levantei a saia. Apoiei uma das mãos na privada mijada e com a outra coloquei seu pau pra dentro.

Era uma rola grande.

Saímos do banheiro e demos um selinho. Foi bonitinho.

E hoje ele não fez nada, nem agradeceu pelo prazer, não disse que foi bom, não falou comigo, não me procurou.

Ainda bem.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Um Velho Deitado

Melhor um bom ditado gratuito do que duas caras sessões de terapia.

Os ditados populares são tão populares que por serem exaustivamente ditos, desditos, benditos e malditos, a sua origem e significado acabam ganhando algumas mutações.

No caso do original “melhor um pássaro na mão do que dois voando” o seu significado é o de que é mais válido ser prudente e ter uma garantia do que ambicionar e colocar tudo a perder.

Uma possível explicação para o seu surgimento sejam as caçadas. Ao ter um pássaro garantido é mais válido ficar apenas com ele do que arriscar ter um segundo e ficar de mãos abanando.

Sobre o seu criador e seu local de origem não há confirmação, mas há a certeza de que o ditado é usado nos mais diversos contextos e hoje voa longe do seu ninho.

Em período eleitoral, por exemplo, poderíamos dizer que “é melhor uma Dilma na mão do que a família Neves voando”.

A atualização da velha expressão depende da avoada imaginação dos seus autores, podendo chegar até a ditados não tão populares, como aquele que um amigo usa: “é melhor dois pau na minha mão do que um no meu cu”.

Neste caso, leitor, a interpretação fica na sua mão.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O homem espalhado

E num instante o tudo se fez nada.

Sua vida espirrou na minha frente.

Um ônibus com duas articulações, vermelho, 25 metros e muita gente dentro, fez com que todos seus pensamentos saíssem instantaneamente da cabeça.

Mesmo com as dimensões gigantescas do veículo ele insistiu em cabeceá-lo. Pensou ser uma bola? Estava feliz pela vitória do seu time. Vestia a camisa do clube que o representava. Talvez fosse sua única razão para alegria. Na próxima partida não haverá um minuto de silêncio. Ele era só um torcedor.

Estava apressado. Daqui a pouco o celular que está naquele bolso vai tocar para cobrar o atraso. Se alguém tiver a coragem de encostar no corpo irão dizer ao chefe que ele não poderá ir. Depois das condolências o patrão terá que se preocupar em encontrar um novo funcionário, vivo.

Queria poder ter evitado. Estava parado, esperando o sinal e aguardando o ônibus passar. Ele não viu, mesmo com o barulho do ônibus e sua chamativa cor. Só via o trabalho a sua frente. Depois de uma manhã de segunda-feira ele não viu mais nada.

Veio por trás de mim, correndo. Não pude avisar, não pude puxar, só pude tentar fechar os olhos para não ver, mas vi.

Vi sua cabeça se tornar uma massa disforme. Uma parte dela agora está parada no para-brisa, outra parte voou.

Filho da puta. Deixou minha blusa suja de cérebro.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Diário de Bordo- Créditos

Tinha dado por encerrada a série de textos que relatava um pouco da nossa viagem em torno da Copa do Mundo. Sobraram algumas ideias, como por exemplo, uma sobre os bolões e a imprevisibilidade do futebol e outra sobre o dinheiro e como os sonhos custam caro. Ainda a bordo eu havia decidido não mais tocar no assunto Copa. Os Alemães nos deram alguns (7) bons motivos para calar.

Mas, ainda faltava algo. Algo não, alguém.

Seria injusto terminar as estórias da história sem ao menos citar o Seo Mário. Então, façamos justiça.

Seo Mário (Que Mário?) foi o motorista ao longo da nossa aventura. O comandante que nos levou por 10 estados dessa terra. Mas nesse período de um mês Seo Mário também foi nosso amigo, nosso companheiro e o patriarca da Família Pitanguá.

Para comandar a embarcação ele tinha um chapéu, uma luneta, uma garrafa de rum e um papagaio no ombro. Um boné cinza escondia sua careca e seus cabelos grisalhos. Para ver além do mar de carros seus óculos ampliavam a visão. A qualquer parada aproveitava a oportunidade para preparar o seu chimarrão. Ao seu lado, lhe fazendo companhia, estava sempre um de nós, papagaiando.

Na rotina do Seo Mário as viagens longas como a nossa não são frequentes. Ainda assim ele topou levar os 9 meninos-homens Brasil afora. Talvez uma consequência direta desse trauma seja o fato de ele querer se aposentar. Era só aquela e mais uma.

Duvido!

Seo Mário tem fome de estrada. A única coisa que gosta mais do que dirigir é dar uma geral no Motorhome. Em um dos nossos trechos ficou praticamente 24 horas na boleia com um descanso de apenas 2 horas.

Mesmo dormindo pouco Seo Mário não tem muitos problemas com o sono. Uma poltrona mais ou menos aconchegante já basta para que ele anuncie, por meio de roncos, que está dormindo.

Ele também estava cansado da viagem. Reclamava quando o pessoal bebia demais. Chamava-nos de alcoólatras e, por vezes, resmungava “esses bêbados aí...”. Mas com a mesma intensidade com que reclamava também usava seu humor para tirar sarro da gente.

Em nossos 33 dias de viagem ele cuidou de nós e nós cuidamos dele. Cozinhávamos e quando parecia que ninguém ia se mover ele mesmo ia para as panelas. Ele nos levou pelo Brasil e em nossas caminhadas nós também o levamos. Fez companhia e nos acompanhou.

Viver na estrada é o seu caminho. Ele quem escolheu. E também escolheu estar perto da família. Ele é um dos responsáveis pela empresa em que atua ao lado do filho, Marco, que também esteve conosco por uma semana. Sua filha, quando o pai voltou para casa deve ter ficado muito feliz ao ver que o pai carregava consigo mais de 10 litros de água de coco. “Minha filha adora água de coco”.

Ainda na viagem vi uma postagem no Facebook depois do fatídico 7 x 1 de uma menina que dizia estar feliz, apesar da derrota, por que o seu avô voltaria mais cedo para casa.

Menina, desculpe-nos por deixar seu vô tanto tempo longe. Mas muito obrigado por deixá-lo tanto tempo perto de nós. Curtimos muito o seu Mário. Agora é sua vez. Aproveite bastante.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Diário de Bordo- The End

Você cara leitora (o Datafolha indica que 85% das visitas no Di-Vagá vêm do público feminino) com certeza já passou pela situação de acabar a luz aí no confronto do seu lar, de onde você lê esse glorioso blog. É uma situação meio estranha. Você está lá, tudo bem, assistindo TV e, de repente, puf.

Sem mais nem menos a energia elétrica se vai. Você precisa fazer alguma coisa, mas demora até que tome uma atitude. Mesmo em casa, nos seus domínios, é difícil se acostumar com a nova situação. Quando se levanta ainda tenta, inutilmente, claro, acender o interruptor. Não se sabe a causa, você só sabe que não há mais claridade.

Foi mais ou menos isso que aconteceu com aquela seleção que queria carregar seis estrelas no peito. A diferença é que quando acabou a luz da seleção ela estava dormindo. E mais, a Seleção Brasileira era um bebê, indefeso, dormindo, enquanto acabou a luz.

O apagão diante da Alemanha foi simplesmente vexatório. A ausência de Neymar e Thiago Silva fez falta, mas ainda assim a dignidade deveria ter entrado em campo. Até mesmo a poderosíssima seleção da Argélia, ARGÉLIA, deu mais trabalho aos Alemães. O sumiço em campo não tem explicação. É um mistério que caberá aos estudiosos descobrir.

Mas há explicação para o fato de a Seleção ter perdido a copa. O que acontece é que a Seleção Brasileira não é um time. A equipe de Felipão é um simples apanhado de jogadores que atuam cada um num canto. Entrosamento? Difícil. Veja a última campeã, Espanha, ou até mesmo a nossa algoz, Alemanha. São grupos no qual mais da metade joga junto, enquanto o Brasil é, no máximo, um time em formação. Ao apostar em uma maioria de caras novas o técnico descartou completamente o passado. Renovação é necessária, mas para poder encarar o futuro também é preciso olhar para trás.

Vejamos a seleção que foi campeã em 2002. De todos os jogadores convocados naquele ano seis deles haviam disputado a Copa anterior e já vinha há muito tempo jogando pela seleção. Havia uma identidade, uma cara, um jeito, um time.

Na seleção atual, além das promessas, há ainda diversas posições não consolidadas. No período anterior havia jogadores incontestáveis em cada setor e um reserva a altura.

Além disso, vamos admitir, a safra atual de jogadores brasileiros não é boa. Nas Copas anteriores além dos convocados havia uma boa gordura de injustiçados que ficavam de fora. Na seleção do nosso último triunfo quatro deles já haviam sido ou viriam a ser agraciados como melhor do mundo. Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Kaká jogavam no mesmo time. Hoje apostamos todas nossas fichas em apenas um jogador de 22 anos.

O time atual é fraco. Nós acreditávamos por que tínhamos que acreditar. Se não fossem os brasileiros, quem seria? Os Argentinos?

Talvez, daqui a alguns anos, na próxima Copa, possamos dizer que temos um time, que joga junto, que se conhece e que tem jogadores que merecem vestir a camisa amarela. A surra que levamos pode servir de aprendizado. A própria Alemanha, na última copa, havia investido em uma nova geração. Assim sendo, esse time derrotado pode e deve servir como base para uma equipe vitoriosa.

Mas ainda assim, perder a Copa em casa deixou um gosto ruim na boca. Alguém colocou uma cebola no meio dos doces da nossa festa. E nós tivemos que engolir. Em nossa própria casa ficamos bêbados antes da hora e fomos dormir, deixando a festa para os convidados. Colocamos nossa melhor roupa, pensamos em todos os detalhes, passamos maquiagem para esconder os defeitos, recebemos todos na porta, cumprimos o protocolo, fizemos todas as honras, para acabar vergonhosamente.

Para nós a festa acabou. O ópio acabou. Se a taça poderia amenizar um pouco a realidade do país, nem para isso mais ela serve.

Agora é bola pra frente. A vida continua. Até a morte.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Diário de Bordo- “Oportinidades”

Há dias em que adiamos os dias.
Há dias em que os dias se vão.
Há dias que se tornam vãos.

---

A caravana da Família Pitanguá já passou, até agora, por Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e agora estamos em Alagoas. Ficamos ao menos um dia nas capitais e também visitamos outros municípios, todos distantes da nossa fria Curitiba.

Eu, particularmente, jamais havia visitado os locais pelos quais passamos em menos de um mês. Conhecer essas localidades, seus habitantes, suas praias e seus atrativos é uma das principais partes do nosso legado particular da Copa do Mundo.

Quando essa estória começou, tudo parecia brincadeira ou mais uma ideia maluca do Michel (o Michel é bom em ter ideias mirabolantes que ninguém jamais teria e que, frequentemente, dão certo). Para tornar possível essa jornada se passaram quatro anos, ou seja, foram 1.460 dias planejando esses 30 dias que irão durar para sempre.

Passado este período voltarão as namoradas, o trabalho, os outros amigos, as famílias, as contas, os estudos, os horários, mas nós não voltaremos os mesmos.

O Teta e o Mimi, os integrantes que, até agora, têm filhos, poderão apontar o mapa e dizer para os seus bacuri que, com oito amigos, foram para todos estes pontos longínquos desse continente em forma de país.

A oportunidade de viver tudo isso é única. Conhecer diversos locais tendo como pano de fundo a Copa do Mundo em nosso país é como um anúncio de loja que diz que “é só amanhã”. A diferença é que, às vezes, é você mesmo que deve criar suas ofertas.

Um atacante com a bola de frente para o gol não pode chutar para fora. Às vezes as chances retornam, mas a oportunidade de viver é única. VIVA!

sábado, 5 de julho de 2014

Diário de Bordo- Não há guerra sem baixas

Ninguém sai ileso de uma guerra. Por mais que existam “vencedores”, todos os envolvidos acabam perdendo. Um soldado. Um marido. Um amigo. Alguém querido e insubstituível. Ontem, em nossa guerra esportiva, perdemos nosso mais importante soldado.

No mundo corporativo se diz com frequência que ninguém é insubstituível. É verdade. Neymar será substituído, mas só Neymar é Neymar. Talvez o substituto possa compensar a ausência do nosso menino à altura. É difícil, mas não impossível. Exemplo? Se Edmundo começasse jogando em 98 o resultado muito provavelmente seria diferente. Talvez não ganhássemos, mas seria diferente.

A seleção brasileira não é totalmente dependente de Neymar. Quem defende os pênaltis e outros perigosos tiros é Júlio César. Quem faz a contenção e comanda a tropa é David Luiz e Thiago Silva. Quem corre por fora, levando a munição pelos flancos é Marcelo. Quem mantém o time fechado e evita os ataques inimigos é Luiz Gustavo. Quem realiza a dupla função de atacar e defender é Fernandinho. Quem faz o meio de campo é Oscar, que já venceu uma batalha praticamente sozinho. A seleção brasileira não é só Neymar.

Claro, ele é decisivo. Desequilibra. É o nosso principal jogador, nosso homem gol. Mas ele é parte de um time e agora, mais do que nunca, teremos que jogar como um time. A partida contra os alemães começará com 11 jogadores em campo para ambos os lados. O que irá definir o vencedor é aquilo que será feito dentro de campo, mas os fatores externos também influenciam e até mesmo a ausência de Neymar poderá incentivar os jogadores que irão para a partida. Como disse o Negs, todos deverão entrar vestindo a camisa 10 por baixo. De acordo com o Gordo, 100% de cada jogador não vai bastar. Cada um deve jogar mais 20% por Neymar.

Uma falta tirou o nosso soldado de combate, agora veremos o tamanho da falta que Neymar vai fazer ao nosso escrete.


----------

Nossa viagem também terá uma grande baixa. Nessa noite o Negs nos deixa, volta para Curitiba e depois nos encontra de volta no Rio. Te vejo na final Neguin.

---
Pequenos aforismos da copa:
- Amanhã vou acordar 6h e vou pra praia. Vou chamar todo mundo pra ir.
- Que horas cê vai voltar?
- Ah, acho que umas 11h.
- Então quando cê voltar cê me acordar!

Piada oficial de toda a viagem:
- A gente podia dar uma corridinha na praia depois, né!?

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Diário de Bordo- O diamante da chapada

Nossa viagem fez uma escala saindo de Brasília e partindo para Salvador. Já estava planejado parar na Chapada Diamantina para aproveitar a oportunidade, já que passaríamos muito perto dali e tínhamos tempo disponível. O que era para ser uma simples escala se tornou uma das importantes partes da viagem.

Nessa jornada já passamos por locais totalmente diferentes. Conhecemos Brasília, a cidade projetada por Niemeyer, e apenas alguns dias depois estávamos deitados em cima de uma pedra para poder ver o final de uma cachoeira de aproximadamente 400 metros de queda.

Ali em Palmeiras, um dos municípios que cerca a chapada, o que se prometia era a natureza, em contraponto aos estádios cheios de concreto que já conhecemos.

Em nosso primeiro dia ali fomos conhecer o Rio Pratinha e a Gruta Azul, belezas naturais que pertencem a uma propriedade particular e que, portanto, cobra entrada e tudo mais que puder ser cobrado lá dentro. Na gruta azul a luz do sol passa por uma fresta entre 14h e 15h e ao encontrar a água a deixa...azul. Você pode desfrutar de toda essa beleza pelo tempo de duração de uma foto, uma vez que a fila de turistas lhe aguarda para fazer o mesmo. Apreciar a paisagem? Pra quê? Tire uma foto sorrindo e poste no Facebook o quanto antes.

No Rio Pratinha havia a possibilidade de mergulho de superfície, que não fizemos, mas aproveitamos para tomar um banho e se divertir, afinal, tomar banho de rio é sempre bom, mesmo que se pague entrada para isso.

A grande descoberta deste primeiro dia foi a farofa de dendê. O almoço demorado e em pequenas quantidades teria sido muito frustrante não fosse a farofa. Poderíamos ter pedido só ela, inclusive. Feita com azeite de dendê, a farofa, diferentemente das convencionais, não é seca, o que faz com que ela possa ser comida isoladamente ou até com alimentos que geralmente não acompanham farofa, como salada ou até mesmo cerveja, como o Negs fez.

Na manhã seguinte fomos conhecer uma cachoeira que fica dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Conhecê-la custa caro. Você deve pagar 6 Km de caminhada com um desnível de 350 metros que é feito em aproximadamente 2h na ida. Mas não se iluda pensando que a volta será menos exaustiva e que para baixo todo santo ajuda. O que as costas e coxas sofrem na ida o joelho sofre na volta. Mas não desista. Vale a pena. Todo o esforço é pago com a paisagem oferecida pela cachoeira da fumaça, que tem esse nome por que o vento vindo debaixo sopra a água para cima e, por vezes, não chega a encostar o rio lá embaixo.

Uma dica importante: Não se perca. Caso contrário sua caminhada e exaustão serão ainda maiores e você deixará seu guia baiano desesperado e emitindo apenas uma palavra: “raaapaaaaaaaaaaz”.

Mas a cidade de Palmeiras tem ainda outro atrativo da natureza. A natureza humana. Na praça em frente à Câmara Municipal um vigia da prefeitura chamado Dadá fica por ali fazendo a ronda todos os dias das 20 às 24h. Puxe um papo qualquer e verá o quanto a humildade é encantadora.

Dadá é nascido e criado em Palmeiras. Trabalhou na época da exploração de diamantes, chegou até a ter um garimpo, quando a atividade já estava em decadência, mas a maior parte do período passou trabalhando em bares, restaurantes e panificadoras.

Segundo Dadá a cachoeira da fumaça vale a pena ser vista, embora ele não encontre muita graça. “Você sobe tudo aquilo e quando chega lá em cima vê só aquele buracão enorme, que você nem pode chegar muito perto”. A presença de seres extraterrestres no local também não é muito frequente, segundo ele. “Não vêm muito aqui não. Só de vez em quando”.

Desde as coisas mais simples às mais complexas da vida podem chegar ao papo e ele, com sua paciência, sua fala mansa e seu dialeto macio vai tratar dos assuntos de uma forma que torna até a descrição da rotina de um restaurante o tema mais interessante do mundo.

Conversar com Dadá te dá um dos maiores diamantes que a chapada pode lhe oferecer. O ser humano ainda é bonito.

sábado, 28 de junho de 2014

Diário de bordo- O pior do melhor

Na última quinta-feira assistimos ao jogo Portugal X Gana no estádio Nacional em Brasília, o Mané Garrincha. A partida, que poderia classificar qualquer um dos dois times para as oitavas de final, acabou sendo um jogo morno, mas dramático para um dos jogadores.

Não sabia para quem torcer. De um lado estava o país do nosso colonizador, do outro um time africano. Explorador X Explorado. Por uma posição implícita a mim era natural que eu torcesse por Gana, mas por outro lado eu torcia por um jogador em especial, e muito especial, que estava do lado Português da força.

Cristiano Ronaldo é um rapaz meio excêntrico, vaidoso, metrossexual, e que aparenta arrogância, mas suas atitudes demonstram seu grande coração e humildade. Além disso, ele é, também, o melhor jogador do mundo de acordo com a Fifa, e o Brasil sabe mais do que ninguém que o que a Fifa diz é lei, o que, entre outras coisas, faz com que o Corinthians tenha oficialmente dois títulos mundiais. Mas com Fifa ou sem Fifa, Cristiano Ronaldo é sim o melhor jogador do mundo e eu queria muito vê-lo jogar, torcia para que ele desse um espetáculo, esperava ser testemunha ocular daquilo que o faz melhor do mundo.

Entretanto, isso não aconteceu. Portugal ganhou, mas sem o brilho esperado. No final das contas fiquei sem uma coisa nem outra, sem ver os africanos vencerem e sem ver o gajo mostrar o que sabe.

Cristiano Ronaldo não jogou como eu esperava por que o futebol é um jogo coletivo e sua atuação dependia do time, que não é lá dos melhores. Ao seu lado não estavam craques como os do Real Madrid, com quem costuma jogar. E isso fez toda a diferença. A seleção Portuguesa dependia mais dele do que o oposto.

Meio pauleado, vindo de contusão, Cristiano ainda tentou jogar. Mas não pôde fazer as belas jogadas que geralmente faz. Quando recebia a bola tentava uma jogada individual, mas ao se ver cercado por três ou quatro ganeses era obrigado a tocar a bola e fazê-la rodar para receber de volta. E ela não voltava. Seus companheiros perdiam a posse ou tocavam errado e quando tentavam devolvê-la não o faziam como receberam, redondinha.

Por um tempo fiquei acompanhando somente ele durante o jogo e era dramático vê-lo não receber a bola como esperava e, portanto, sem poder mostrar o seu melhor. Só abaixava a cabeça. Se eu, como espectador, estava com raiva, imagine o CR7.

Fez um gol, mas nem nesse momento máximo, comemorou. Voltou andando para o meio de campo sem dizer “eu to aqui”, sem dizer nada. Fez isso por que sabia que sua equipe permanecia eliminada e mesmo um time que conta com o melhor do mundo tem seus dias ruins.

É Cristiano, o mundo é injusto. Até mesmo com os melhores.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Diário de Bordo- O futebol é um esporte bobo

Isso que diz o título é verdade. O futebol é, resumidamente, um esporte que se joga na grama com 11 pessoas de cada lado com uniformes distintos e ganha a equipe que mais vezes colocar a bola no retângulo que o adversário deve proteger.

Mas, vamos reduzir alguns outros esportes às formas bobas de encará-los.

Boxe: dois seres vestindo calção e luvas golpeiam com as mãos um ao outro com o objetivo de derrubá-lo.

Esgrima: duas pessoas com uma “espada” em mãos tentam encostar a arma no outro humano sem que seja encostado.

Golfe: Usando um taco os terráqueos tentam colocar uma bola dentro de um buraco com o menor número de toques possíveis.

A lista poderia prosseguir, mas vamos ficar por aqui. A questão é que qualquer esporte, até os mais refinados (leia-se, aqueles que envolvem mais dinheiro), podem ser vistos como esportes “bobos”.

Mas, antes de mais nada, o esporte deve ser visto como um esporte. É uma diversão. É catarse. É emoção. É identificação. É tudo. É nada.

O futebol, como todos os outros é um esporte e não deve ser encarado como algo “sério”. As pessoas que levam o esporte a sério demais são aquelas que acabam indo ao estádio e tornando a diversão em algo realmente sério ao usar aquilo como pretexto para xingar, discriminar, bater ou até mesmo matar alguém.

Como pode ser visto na Copa do Mundo de futebol, este esporte é uma paixão mundial. Mas no Brasil ele representa o mais verdadeiro amor. Em nosso país a invenção inglesa encontrou solo fértil para prosperar. Solo de asfalto. Solo de terra. Solo de areia. Solo da sala de casa. Solo que se casa com a sola de qualquer pé. Sola que calça chuteiras, que calça tênis velhos, sola descalçada pelo chinelo usado para ser trave. Solo de onde nasceram muitos craques, que por aqui ficaram ou que foram para a Europa servir de pé de obra para times endinheirados.

Eles são menos brasileiros do que nós? Não. Você não iria? Deixaria de realizar o seu sonho profissional? Não gostaria de morar no velho continente e ganhar muito para fazer o que gosta? Eles também “sofreram” por não ter em nosso país estruturas que suportem o tamanho do seu talento. São nascidos aqui, criados aqui e são eles quem nos representam quando pisam nos gramados tratados da Europa. “Ame-o ou Deixe-o”? Aaaaaaaaaaaah...

Eu sou tão brasileiro quanto o Pelé. Que é tão brasileiro quanto o atendente da lanchonete. Que é tão brasileiro quanto Ronaldo. Que é tão brasileiro quanto o cobrador de ônibus. Que é tão brasileiro quanto o Diego Costa. Não, o Diego Costa não (embora não ache errada sua decisão), mas enfim...continuando...o cobrador é tão brasileiro quanto o David Luiz. Que é tão brasileiro quanto o policial. Que é tão brasileiro quanto o Thiago Silva. Que é tão brasileiro quanto o presidiário. Que é tão brasileiro quanto o Neymar, esse brasileiro que faz lances espetaculares com a simplicidade de quem brinca com uma bola qualquer em um campo qualquer em qualquer canto desse país.

Na última segunda-feira pudemos vê-lo jogar. A menos de 20 metros estava essa peça rara que é como nós, nascido nessa terra de todos. Um menino gigante que joga esse esporte bobo, mas que representa esse divertido amor.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Diário de Bordo- Os argentinos Parte II

Nos dias em que recebemos no Brasil a visita dos argentinos vimos mais deles até mesmo do que quando visitamos o país vizinho. Na ocasião eu, o Gordo, o Michel e o Guille fomos até lá mais uma vez movidos pelo futebol. Em 2009 assistimos um Brasil x Argentina na cidade de Rosário. Era a nossa primeira viagem internacional e o primeiro jogo do Brasil que veríamos. Já estávamos ansiosos por todos os fatos que envolvem esse clássico Sul-Americano, mas um imprevisto tornou o jogo ainda mais marcante do que poderíamos prever.

Apesar de o jogo ser em Rosário nós estávamos hospedados em Buenos Aires e para ir até o jogo tínhamos uma van. Quando chegamos na cidade que receberia a partida percebemos que o jogo não seria somente no estádio, mas começava nas ruas, com a torcida argentina vibrando em cada esquina com seus cantos fervorosos, enquanto nós, dentro da van, nos escondíamos com a camisa do Brasil (exceto eu, que vestia Corinthians).

Tentando disfarçar nossa brasilidade colocamos blusas por cima das camisetas. O motorista nos deixou um pouco longe da nossa entrada. Conseguimos o ingresso do Gordo em um local próximo ao nosso e tentamos encontrar nosso portão, mas curiosamente não vimos nenhum brasileiro no trajeto.

Quando fomos entrar no estádio do Rosário Central a “revista” foi um pouco fora do comum. Ela não existiu.

O Michel, que estava na minha frente, levantou os braços, como geralmente fazemos nos estádios brasileiros, e o segurança apenas balançou a cabeça e o mandou passar sem nem encostá-lo. Na minha vez eu fiz o mesmo e ele, com um sorriso, apenas exclamou: “¡brasileño né!”.

Chegando ao nosso lugar, percebemos o que havia de errado. Nossos ingressos eram para a torcida argentina.

O lugar onde deveríamos estar era exatamente o oposto de onde estávamos. Fomos conversar com o segurança para ver se poderíamos passar para o outro lado. Quando ele viu a camisa do Michel, arregalou os olhos e disse que deveríamos ir para lá imediatamente.

O estádio era dividido por setores e passamos por todas as barreiras, menos a última. Acreditamos até hoje que nessa última fase, onde eram os camarotes, havia alguém muito importante, Cristina Kirchner, por exemplo.

Cabisbaixos, voltamos aos nossos lugares. Se tínhamos que ficar ali então que fosse.

No intervalo eu e o Michel decidimos comer algo, mas não sabíamos o que, nem como pedir. A estratégia foi ouvir os outros e imitá-los. O Michel ficou na fila e quando chegou sua vez pediu “una hamburguesa”, que o atendente disse que não tinha mais. Com as mãos pediu que esperasse e viu que agora os argentinos solicitavam “un Choripán”. Nesse meio tempo eu, atrás dele, estava agoniado, por que a sua camisa amarela caía por debaixo da bermuda. Voltamos, intactos, aos nossos lugares.

No segundo tempo a torcida argentina se inflamou para empurrar o time. Todos se ergueram nas arquibancadas, menos nós. Uma mão me puxou para que eu também levantasse. Atendi o pedido da mão misteriosa. Quando o Brasil marcou um gol o dono da mão se mostrou e me perguntou: “¿Estás contento, tico?”. Com cara de quem não entende, emiti um “Hã?”. A pergunta se repetiu e bolei um plano infalível. Respondi com um “What?”. Meu plano falhou, mas pelo menos ele deu risada.

Na saída passamos por uma barreira policial que continha os argentinos, em que o Guille quase foi barrado.

Depois de todo o aperto veio o alívio. Estamos vivos até hoje e podemos fazer esta outra grande viagem e assistir muitos outros jogos.

Ah, o resultado do jogo foi 3 x 1 para o Brasil. Pena que não pudemos comemorar.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Diário de Bordo- Os argentinos Parte I

Embora as seleções de Brasil e Argentina não se enfrentem de acordo com a tabela da copa esse embate já aconteceu duas vezes nas ruas brasileiras.

Tanto no Rio de Janeiro quanto em Belo Horizonte a nossa viagem coincidiu com os rumos da fanática torcida argentina. O resultado desse cruzamento foi o de que agora temos muitos novos hermanos e se alguém achava que nós éramos loucos por fazer essa viagem, acredite, nós somos normais perto deles.

Em BH, por exemplo, encontramos um grupo que veio da Argentina tendo somente o carro como moradia. Depois de passar por Rio de Janeiro e Belo Horizonte eles pegaram o veículo após o jogo contra o Irã e foram rumo a Porto Alegre, um trajeto, de acordo com o oráculo, de aproximadamente 1.717 km e quase 23h de viagem. Somente na primeira fase eles irão viajar um total de 64 horas e 4.844 Km.

Eu e o Gordo tentamos convencê-los a deixar uma encomenda em Curitiba, mas eles não gostaram muito da ideia de carregar o Michel, ainda bem, por que a comida feita por ele está salvando a pátria. Ninguém é totalmente imperfeito.

Se existe uma aparente rivalidade entre essas duas nações apaixonadas por futebol nós provamos que a Copa do Mundo serve muito mais para unir nacionalidades do que para separar.

Em nosso encontro frequente com os mullets aperfeiçoamos nosso portunhol e no jogo do último sábado o Negs e o Mimi até pintaram a cara com as cores da alviceleste.

A troca de camisetas também foi um fato frequente. A camisa da Pitanguá irá circular bastante lá pelos lados de Buenos Aires enquanto em Curitiba o azul claro também vai estar presente.

No primeiro jogo do Brasil o Mimi se divertiu tanto com eles que acabou nem vendo o jogo. Enquanto ele os sacaneava pelo até então baixo número de gols de Messi em Copas (Edmilson tinha mais que ele), os argentinos nos ironizavam com o suposto pênalti na partida contra a Croácia e cada faltinha besta no meio campo era motivo para que disparassem um “Penal Brasil”.

Na região da Savassi, em Belo Horizonte, nós praticamente comandamos a torcida Argentina e ao final da música que diz que “Maradona es más grande que Pelé” finalizávamos com um sonoro “só que no”. Também enganávamos eles entoando o canto de “Messi, Messi, Messico, Messico...”.

Embora tenhamos afastado a rivalidade e a transformado em amizade, a nossa conversa sempre ia parar em campo, mas sempre em tom de brincadeira, já que não dá pra levar muito a sério uma seleção que tem apenas duas estrelas, uma a menos que o Pelé.

Se a nossa viagem e a Copa do Mundo são uma grande diversão, encontrar os argentinos é mais um bom motivo para fazermos a festa.

Esperamos vê-los na final, hermanos.

sábado, 21 de junho de 2014

Diário de Bordo- Com vivência

Conviver diariamente com 9 pessoas por um período de 34 dias é difícil. Por mais que sejamos amigos de longa data (desde “pequenininho”, diria o Michel), ainda assim olhar para as mesmas caras dos mesmos caras é algo caro.

Sempre nos demos bem, por isso mesmo nossa amizade é tão duradoura, mas sempre tivemos a opção de não nos ver e todos têm sua própria família.

De certa forma todos nos conhecemos. Sabemos um do outro as manias, os costumes, os sonhos, os jeitos, os vícios e virtudes.

Somos todos diferentes, por que cada pessoa é um universo, mas também somos todos iguais e gostamos das mesmas coisas: gostamos uns dos outros.

Pela correria de cada um a frequência com que nos vemos, por vezes, não é muito frequente. O trabalho, os estudos e todas as outras obrigações acabam fazendo com que pessoas que se amam às vezes estejam afastadas e pessoas que, talvez não se gostem estejam em contato direto todos os dias.

Em nossa viagem não cumprimos os papéis sociais que cumprimos geralmente. Não precisamos ir trabalhar, não voltamos para casa ao final do dia. Nesse período somos somente amigos, irmãos, pais e filhos uns dos outros.

Aqui, com a obrigação da convivência temos tempo para viver as coisas pequenas. Um sorriso, um obrigado, uma conversa, uma(s) bebida(s), um cigarro...Aprendemos um com o outro como jogar poker, cortar tomate e, principalmente, como é ser amigo.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Diário de Bordo- Homens e Mulheres

Somos 10 homens. E todo mundo que conhece pelo menos um homem sabe como somos. Homens são simples. Homens são sentimentais, apesar de não demonstrarem isso, afinal todos devem manter sua aparência de homem. E mesmo entre amigos as aparências devem ser sustentadas.

Aqui em nossa jornada todos têm alguém. Todos têm compromissos com namoradas ou esposas. Até mesmo aqueles considerados solteiros têm alguém com quem se preocupar e alguém que se preocupe com ele.

Embora estejamos todos sempre juntos se divertindo e, por meio de piadas, mantendo a presença de Carlos Alberto de Nóbrega conosco, em algum momento um dos homens se desgarra do grupo e fica sozinho em um canto. É nesse momento em que ele pode demonstrar como realmente é.

Sempre com o telefone na mão o homem utiliza os diversos recursos de comunicação para matar um pouco da saudade de sua pequena e dizer como está por dentro. É o momento do homem macho mostrar que tem seus sentimentos e que não é como realmente aparenta.

Falando baixo ele se permite gritar o que há dentro do seu peito sussurrando frases como “estou com saudade” e “eu te amo”.

Além da falta emocional que fazem as devidas senhoras há ainda o desejo físico, a vontade de matar a saudade carnal. Para aliviar toda essa tensão há também um local específico para isso...

  _____
 IIIIIIIIIIIIIIIIIII
  IIIIIIIIIIIIIIII
   !!!!!!!!
    !!!!!!!
     iiiiiiiii
      iiiiiii
       ::::
        ::
        .

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Diário de bordo- Desviando dos desvios

Nossa viagem foi pensada, planejada e discutida à exaustão. Até que todos os detalhes estivessem resolvidos não paramos de tentar acertá-los. Nos organizamos pessoalmente, profissionalmente e financeiramente para que esse sonho deixasse de ser um sonho. Foram quatro anos desde o surgimento de uma ideia até colocar o pé na estrada. Mas mesmo com todos os planos colocados no papel ainda assim um imprevisto ocorreu.

Contávamos com possíveis erros, mas não esperávamos que fossem efetivamente acontecer. E aconteceu. Em nosso segundo dia de viagem a embreagem do motorhome nos deixou na mão. O problema era mais que um probleminha. O ônibus teve que ficar parado e a solução só veio definitivamente nesta segunda-feira.

Na sexta-feira 13 iríamos ver os jogos na Fan fest do Rio, mas Copacabana acabou ficando longe, Belo Horizonte, mais ainda. Por perto somente uma rodovia e um posto de gasolina.

O Mineirão, onde deveríamos estar no dia 14, estava a 460 quilômetros. O que poderíamos ver daqui era apenas os ingressos em nossas mãos para o jogo Colômbia e Grécia.

Para que pudéssemos chegar mais perto do nosso destino, após uma busca desesperada e calma, o Rafaelzinho utilizou sua influência e entrou em contato com sua secretária, que depois de muito navegar, conseguiu pescar uma locadora de carros e no sábado, às 4h da manhã, estávamos de pé para poder ficar 6h30 sentados e chegar ao jogo.

No caminho encontramos uma parte da torcida Grega e mesmo não entendendo direito o que diziam (parecia que falavam grego), nos identificamos muito com eles, tanto é que o canto que aprendemos - “Ellas olê olê...” - nos acompanhou até a volta para o Rio.

Aparentemente tínhamos um lado definido, mas chegando à BH nos rendemos à imensidão amarela que tomava a cidade.

Nos submetemos também ao encanto do Mineirão. Sempre o víamos pela TV, mas nunca tínhamos nos aproximado. Por não ter tido sua fachada modificada o estádio manteve sua aura e, mesmo com o padrão Fifa, ele continuou o mesmo que sempre vislumbramos entrar.

Diante dos jogos da TV o Negs já tinha comentado, e concordamos, que não parecia que o evento era no Brasil. Nossa percepção não foi a mesma no estádio dos mineiros. Embora toda a estética nos fizesse crer que estávamos na Europa o espírito da torcida Brasileira/Colombiana nos dizia o oposto. Estávamos no Brasil. E aquilo era a copa do mundo.

Arrepiou.

A Colômbia fez jus à sua apaixonada torcida (Público Total: 57.174 / Renda: curiosamente não divulgada). Mesmo com a triste ausência de Falcão Garcia o espírito latino esteve em campo. O resultado se deu com dois gols previsíveis e um golaço. E assim foi, enfim, nosso primeiro jogo da Copa.

Encerrando a nossa brincadeira de criança, encontramos o lendário grupo Molejão na saída do jogo.

Apesar de estar com a alma lavada pela nossa estreia, estávamos tão ou mais exaustos que os próprios jogadores. Famintos, ainda tínhamos pela frente a volta para Rio. Depois de discutir o rumo entre uma churrascaria, o McDonald’s ou um shopping, nosso destino final foi uma pastelaria.

Foi cansativo, mas valeu a pena. Nos divertimos, por que sempre nos divertimos. Saímos do Rio como 10 seres humanos e voltamos uns cacos, felizes, mas em cacos.

Conseguimos contornar todos os problemas, por que mesmo sendo uma diversão, são seguidos os rumos da vida. Ás vezes planejamos, refletimos, calculamos, nos preparamos e, ainda assim, tudo acaba saindo diferente. A solução é usar a habilidade para driblar os obstáculos até chegar ao gol. Até o fim.

A viagem segue. A vida também.

----

Pequenos aforismos da copa:

- Viram aqueles cara que iam para Cuiabá e foram pra Curitiba? Erraram por um pouquinho só né! ?

- É, o Cu pelo menos eles acertaram.


----
 O que são pontinhos azuis no mar amarelo?


 O dia em que aprendemos a falar grego

Bom é ser feliz com o Molejão

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Diário de Bordo - A Copa do Mundo é nossa

A seleção brasileira pode perder a copa. O Brasil pode perder, e já perdeu, com a corrupção. Mas nós já ganhamos com a Copa do mundo.

Eu ganhei. Mimi ganhou. Gordo ganhou. Rafaelzinho ganhou. Gui ganhou. Guile ganhou. Negs ganhou. Michel ganhou. Teta ganhou. Ganhamos.

Ganhamos com a aproximação ainda maior da nossa amizade. Ganhamos novos amigos (até argentinos). Ganhamos diversão. Ganhamos mais estórias. Ganhamos a vivência que levaremos para o resto de nossas vidas.

A bordo de um Motorhome estamos percorrendo o país para acompanhar a copa do mundo, seus jogos, sua alegria, sua empolgação, seus turistas e toda a emoção que envolve o maior evento esportivo do mundo.

Nossa primeira parada foi no Rio de Janeiro, cidade maravilhosa. Na fan fest de COPAcabana cantamos o hino entoado por milhares de vozes em todo o país que mostraram que mesmo quando a música “acaba” o sentimento continua. Cantamos com a mesma emoção dos nossos 11 representantes na zona leste de São Paulo.

Acompanhamos a decepção pelo gol de Marcelovick, mas mantivemos a esperança que nos trouxe até aqui. Continuamos acreditando e acompanhando o jogo, menos o Mimi, que encontrou outra atividade mais divertida: ver a cara de bobo dos nossos amigos argentinos.

Eu, por uma causa ainda desconhecida, não estava bebendo nesse dia. Estranhamente estava doente, com uma dor de cabeça, sono, um certo enjôo e uma sede incontrolável.

Os demais, mantendo o nível alcoólico dentro do estimado, viram Neymar fazer seus dois gols e a coroação de Oscar. O merecido gol de quem jogou como jogou, de quem soube unir raça e habilidade, de quem teve a mesma sabedoria de Romário e Ronaldo para, em instantes, fazer todos os cálculos possíveis para colocar aquela esfera de 68 cm de circunferência dentro do retângulo de 7,32m por 2,4m no único local onde ela caberia sem a intervenção do goleiro Pletikosa.

Depois da festa, mais um pouco de festa. Hoje, encontramos a sorte de uma sexta-feira 13 e um problema na embreagem da nossa casa-motor coincidiu com um feriado em Nova Iguaçu. A mesma sorte e dificuldade que há em se fazer um gol de bico durante a Copa. O bico de Romário, de Ronaldo e de Oscar, que coincidentemente ou não, ocorreu nos anos em que fomos campeões.

O ônibus está parado em um posto onde assistimos juntos México x Camarões. O plano era ir à Fan Fest ver Espanha e Holanda. Não sabemos se iremos conseguir, não sabemos como a viagem vai continuar, não sabemos se iremos conseguir chegar a Belo Horizonte amanhã, onde temos um jogo para assistir, mas independente disso continuaremos juntos, tanto no perrengue do ônibus quanto na alegria de acompanhar a copa. Esses 34 dias juntos farão com que a Pitanguá Family se torne cada vez mais uma família.

----

Pequenos aforismos de viagem:

- Se o Romário hoje é deputado o Saulo seria presidente.

- Depois da Copa o Tite vai ser técnico da Seleção.
- Ti, Ti, Ti, Te, Te, Te. Viva Tite.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A ocasião...

Não a vi direito quando foi.

Só vi passando em minha frente quando soltava a fumaça.

Tenho um certo ritual mecanizado para fumar. Seguro o cigarro com a ponta dos dedos indicador e médio da mão direita. Levo-o à boca no canto esquerdo. Há quem diga que tenho uma marca nos lábios em que o cigarro se encaixa. Quando puxo a fumaça o solto dos dedos e quando termino a aspiração o filtro volta ao seu local inicial. Depois do trago a fumaça sai pelo canto direito.

Foi nesse momento que passou e me viu.

Deu mais uns passos e voltou. Me perguntou se poderia falar uma coisa e, como nem sempre gosto de ouvir coisas, respondi que “talvez”.

Falava apressada e demonstrava certo desespero.


- Eu não vou mentir pra você (logo, pressupõe-se que para outra pessoa ela mentiria) eu faço programa e moro aqui perto. Ontem não consegui fazer nenhum programa (talvez a culpa seja do frio de Curitiba) e não tenho dinheiro nem para almoçar (já era magra por ser magra e sem almoçar ficaria ainda mais magra).

Não era bonita, como a Malu Mader, mas também não era nenhuma Ingrid Guimarães. Estava mais próxima da Silvia Pfeifer.

- Eu não sou daqui. Sou de Paranavaí e sem dinheiro para comer não consigo fazer nada (e sem fazer nada ficaria com menos dinheiro e faria mais nada e comeria menos e....dízima periódica). Tô tentando arrumar dinheiro para pegar uma marmita pra comer. Cê pode me ajudar?

Poderia me aproveitar da situação e propor uma troca da carne pela carne. Eis a minha oportunidade de ganhar algo com a injustiça social. É isso que os vencedores fazem.

Segurando o cigarro com a boca peguei na carteira todas minhas moedas (a economia da rua se baseia em moedas). Em sua mão minhas moedas se juntaram a outras amigas moedas e uma nota de dois reais.

Depois de agradecer ela se foi de novo.

Pensei que com dois reais ela já poderia comer. Dois reais compram uma coxinha, especialmente aqui na região do terminal do Guadalupe onde a gastronomia está longe de ser gourmet. Mas talvez sua fome precisasse de mais que uma coxinha.

O seu desespero, sua fala rápida e sua magreza poderiam mostrar a necessidade por pedra e não pelo que relatou.

Me comoveu a moça.

Sua narrativa e interpretação levaram meu dinheiro. Não sei pra onde.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Bom dia

Sua buceta boceja quando o dia se faz.

No cômodo comum a todos ela entra devagar por debaixo da coberta até desaparecer do mundo e aparecer para ele.

Tateou seu pênis, tirou para fora com delicadeza e cuidado para que não acordassem. Um cheiro desagradável subiu, mas não se importou. Estava determinada a lhe dar um dia especial.

Engoliu para abafar o cheiro. Limpou-o com sua boca recém-escovada.

Acordou. Levantou a coberta para certificar-se de que não era um sonho.

Fez um sinal de silêncio substituindo seu dedo indicador pela piroca.

Segurando com seus finos dedos foi lambendo da base à cabeça de maneira desapressada. Quando alcançava o cume sua língua fazia movimentos circulares sobre a glande.

Com o pau já acordado ela passou a testar os limites da sua garganta. Aconchegava a jeba em sua quente boca.

Passou às bolas e enquanto as engolia o masturbava lentamente.

Ele levantava a coberta e arrumava o cabelo para poder olhar os seus olhos verdes, escurecidos pelo cobertor.

Quando a olhava, ela esfregava a cabeça vagarosamente em seus lábios.

Ela deixou de usar as mãos. Basqueteava em sua rola sem apoio, usando apenas a força do desejo.

Quando seu pescoço começou a doer, decidiu partir para o fatality. Com movimentos rápidos ia de cima a baixo. Subia para descer como uma montanha russa.

Parou quando sentiu a primeira esporrada.

Fez o sobe-desce mais duas vezes e pressionou a cabeça com seus lábios para tirar a última gota.

Dominado pelo tesão ele estica o corpo. Os dedos dos pés apontam para o horizonte.

Deu um beijo de despedida na ponta da pica.

Levantou, arrumou o cabelo, pegou a bolsa e foi trabalhar.

O mendigo ficou deitado mais um pouco, aguardando que alguém o expulsasse da marquise.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

O mundo dá voltas

O mundo dá voltas e ela sabia que iria encontrá-lo.

O dia ia chegar e finalmente veria aquele que ela odeia tanto por um dia ter amado tanto.

Quando ocorresse o encontro finalmente descobriria por que ele fez o que fez e por que não fez o que não fez.

Iria querer saber o porquê botou o pé na estrada no momento seguinte de ela ter fechado as pernas.

Vazou tão rápido quanto gozou. Nem deixou o suor secar para sacá-la da sua vida.

Mas o mundo dá voltas e ele teria que se justificar, teria que falar por que não falou com ela no dia seguinte. Por que não ligou, não enviou mensagem, não mandou um face. Nem um whats. Não merecia nem um whats?

Queria saber por que jogou fora aquilo que ela tinha guardado para ele ao longo de seus 15 anos.

Mas o mundo dá voltas e teria que contar por que contou para todo mundo o que não deveria ter contado.

Mas, diferente do que ela pensava, ele ficaria a vida inteira morando na França até o resto da vida e nunca mais se veriam.


Independentemente disso, o que realmente importa é que o mundo dá voltas e graças aos movimentos de rotação e translação acontece a mudança dos dias e anos.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Algema de sentimentos

Passou óleo, passou margarina, passou sabonete e não passava a agonia em ter aquilo em sua mão. Passou o dia e ainda não estava livre.

Ter aquela lembrança concreta era como manter uma fidelidade abstrata e unilateral.

Tudo acabou e o grilhão insistia em prendê-lo ao passado.

Engordou demais desde que comprou a aliança, que serviria para selar um compromisso.

Seu corpo engordou, sua cara engordou, seu dedo engordou, seu coração engordurou.

Talvez seu sobrepeso tenha sido o motivo para ser trocado. Agora era outro o dono dos sentimentos dela, que ele julgava ser único dono.

Por imaginar a eternidade ele esqueceu-se do presente e jamais se preocupou em tirar a jóia.

Pensava que a removeria somente para substituir por uma dourada, mas seu comodismo também evitou a troca.

Agora lutava contra a própria natureza para enfim livrar-se. Passou pela sua cabeça a ideia de arrancar o dedo para poder se libertar do fardo.

Queria tirá-la e jogá-la o mais longe possível. Arremessar para além do horizonte. Cegar qualquer visão anterior, ensurdecer seus velhos sentimentos e silenciar a gritante tristeza.

Ao conseguir retirar a infeliz, finalmente se sentiu aliviado como se removesse uma bala do corpo, mas embora se livrasse do projétil não conseguiu curar o ferimento.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Sem pai nem mãe

Um dia, quando era criança, chorei embaixo da coberta pelo fato de imaginar que um dia minha mãe morreria. Hoje deixei de ser criança e choro de verdade.

Com “apenas” 27 anos me encontro no mundo sem pai nem mãe, literalmente. Nenhum cordão umbilical. Sem dia dos pais, sem dia das mães e sem nenhum dos dois em dia algum.

De acordo com a lógica Edgar Scandurresca eu não sou nada. Meu filho ainda não nasceu, mas também não sou mais o filho. Com essa idade talvez eu já devesse ser independente, se é que alguém é, mas se por um lado sou velho demais para ser estudante e não financeiramente estável, também sou novo demais para não ter ninguém. Me sinto uma criança desamparada, um homem de 27 anos recém nascido e prematuro.

Quando se é criança há uma sensação de aventura em ficar sozinho em casa, ampliada por causa do Macaulay Culkin, mas hoje a solidão é um medo que se aproxima 
cada vez mais.

Sim, eu sei. Eu sei que é a lei da vida. É natural. Mas não tão cedo. Sei que ainda tenho minha irmã, que mesmo distante nunca estará separada de mim. Sei que ainda tenho familiares. Sei que tenho minha vó, com quem posso contar, apesar de ser eu quem deve tomar conta. Sei que tenho amigos que são verdadeiros irmãos. Sei que tenho uma namorada para tudo o que precisar (inclusive dar uma transadinha).

Eu sei. Mas apesar disso o sentimento de solidão é inevitável. Dentro de mim coabitam dois tipos de caos. Na cabeça o caos como conhecemos, um turbilhão de pensamentos que brigam entre si para ver quem está na vez. No sentimento o caos de Hesíodo, um vazio. Eu imaginava que um espaço vazio fosse apenas o vazio, mas descobri que o vazio tem um tamanho e o meu é imenso.

Durante o velório minha irmã comentou que “agora o Guylherme tem cara de homem”. Prefiro pensar que o comentário seja por conta da minha barba, que masculiniza, vagabundeia e esconde. Mas talvez minhas feições masculinas, que antes ela não reconhecia, tenham nascido quando subitamente se abateu sobre mim a responsabilidade de encarar o mundo sozinho.

Agora sou eu meu único responsável. Em caso de emergência, se eu sofrer algum acidente, por favor, avise a mim mesmo.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Calor abundante

Dia desses vi uma cena incrível. E não fui só eu. Meu amigo, carinhosamente apelidado de Feio, também presenciou a cena.

Vimos o sol em Curitiba.

Isto pode parecer comum, mas não é. Vivemos na capital brasileira onde menos fez sol em 2013. Assim sendo, a aparição constante do astro rei já é um fato absurdo.

Esse calor avassalador das últimas semanas pegou os curitibanos de calças curtas e neste quesito sou privilegiado. Posso, ou ao menos acho que posso, trabalhar de bermudas. Quando vejo alguém trajando terno e gravata sinto vontade de lhe dar um solidário abraço. Mas, sou curitibano. Então finjo que não vi.

O uso da querida bermuda em ambientes de trabalho tem chamado atenção aqui neste país tropical abençoado por Deus. Apoio a medida, desde que não se aplique a defuntos recém-morridos. Trabalhar de bermuda tudo bem, mas bater as botas de chinelo seria informalidade demais.

Enquanto os homens ainda lutam por esse direito as mulheres podem livremente caminhar com seus decotes, vestidos, saias e shorts. Diante da proibição do uso de bermuda no prédio do Centro Administrativo do Estado do Rio de Janeiro um funcionário conseguiu brasileiramente driblar a lei. Foi trabalhar de vestido. Simples assim.

Mas, o que eu e o Feio vimos não foi apenas o sol, que nos obriga a usar roupas curtas. Nós vimos a lua. Branca e com suas diversas crateras. 

O dia em que tivemos essa visão foi o mesmo em que um homem andou nu pela XV, esta rua onde agora as pessoas andam pelas beiradas para tentar pegar um pouco da sombra das marquises e não mais para escapar do temível palhaço-imitador.

Estávamos eu e o Feio sentados em frente à loja onde o Felipe (Vulgo: Torre Negra) trabalha. Esperávamos o Torre sair para tomarmos a merecida gelada de sexta-feira.

Eis que surge a lua.

Passa por nós uma imensa bunda. Desnuda. Branca. Sem sequer uma calcinha para apará-la.

Eu e o Feio nos solidarizamos com a moça que teve a sua saia presa na bolsa e agora exibia suas nádegas para quem quisesse e não quisesse ver.

Tentamos avisar a pobre. Ela estava quase chegando à Praça Tiradentes, onde passaria por pontos de ônibus lotados e atrairia olhares muito menos caridosos que os nossos. O Feio gritou, em vão, tentando salvá-la. 

Logo atrás dela havia um casal que nada disse. Talvez o homem se calou por que sua namorada poderia concluir que ele olhava para a bunda e isso desencadearia um ataque de ciúmes.

Já a senhorita do casal pode ter visto, mas também não disse nada por que o rapaz que se fazia de cego poderia deixar de fingir e ver tudo de uma vez.

Mas, especulações a parte, o fato é que nem o casal, nem ninguém, a alertou.
E a branca bunda desprotegida seguia rumo à Tiradentes.

Antes da tragédia anunciada um sinaleiro a salvou.

Ao parar na esquina ela percebeu o acontecido. Abaixou a saia e partiu.

O feio e eu vibramos e nos abraçamos aliviados.

Sem dúvida o mundo precisa de mais pessoas como eu e o Feio, ou ao menos as meninas de saias levantadas precisam.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mário e Júlia - Por Alexandre Fernandes

A relação já não estava com aquela chama ardente presente em namoro novo. Cada um tinha seus motivos para o desaquecimento da vida a dois do casal. Júlia agia como a chefe da relação. De uma hora para outra, na visão dela, Mário só tinha amigos bêbados e vagabundos. E as amigas dele eram todas vagabundas que queriam dar.

Mário também não fazia muito para a relação melhorar. Ele colocava a culpa da relação estar indo mal na má fase do Flamengo, na perseguição do chefe pentelho ou qualquer coisa que o afastasse do famigerado "discutir a relação". Seu jeito sereno e tranquilo, em excesso, contribuiu bastante para a crise do casal.

Ele queria fugir de uma discussão e resolveu dar um passo rumo ao retorno de uma relação tranquila e saudável. Disse que iria fazer um jantar especial para sua amada. Ela gostou da ideia e se mostrou surpresa, pois Mário é daqueles que para não sujar louça pede comida pelo delivery.

Dedicado, Mário caprichou na escolha do vinho para acompanhar a massa que preparou para o jantar de acerto de contas do casal, que ainda não tinha se separado. Caprichou também na faxina do seu cafofo. Antes que sua pequena chegasse para o encontro, ensaiou um pedido de desculpas pela sua apatia no namoro/noivado/casamento/tico-tico-no-fubá.

Quando Júlia chegou, Mário interrompeu seu ensaio. Antes de abrir a porta deu uma última ajeitada na cozinha e trocou a camisa que sujou com uma gota de molho. Ela entrou e se impressionou com a organização da casa. Conversaram bastante, pareciam se entender. E tudo se encaminhava para um retorno tranquilo do romance.
Porém, ahhh porém, no momento do jantar as coisas não foram do jeito que ambos imaginavam. Não exatamente pelo cardápio do chef Mário, mas por um capricho de Júlia. Quando ele serviu o jantar para sua amada, ela se impressionou com o aroma e o visual. Mário parecia empolgado por estar fazendo algo que evitaria uma discussão de relação.

Logo após a refeição, entre uma taça e outra de vinho, Mário todo romântico pergunta se a moça tinha gostado do cardápio. Ela responde: “Sim, estava ótimo. Mesmo sendo feito com massa pronta, aí fica fácil”. Mário ficou um tempo olhando para o nada. Apenas pensava no esforço e empenho para fazer um jantar bacana para ela.

Olhou para Júlia e disse que tinha que fazer uma coisa. Ela sem entender perguntou o que ele tinha que fazer, mas não teve resposta. Ele pegou as chaves do carro e saiu. Ela ficou ali parada por algum tempo, esperou por meia hora e foi embora. Quando chegou na portaria do prédio, viu Mário jogando baralho e tomando cerveja com o porteiro.

Nunca mais se falaram.

Fim

----
Nosso amigo Alexandre Fernandes (o Kibe) veio para o Di-Vagá fazer uma visita colaborativa nesta semana.

Gozador que é, Alexandre é um dos responsáveis pelo site de humor e futebol Allejoalém de jornalista e sócio-fundador do Dois Copos.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O esperado acontece

Fosse casado poderia acordar assustado com uma mulher gritando e o xingando para que acordasse logo por estar atrasado.

Ou então acordaria recebendo um inesperado sexo oral matinal.

Existia também a possibilidade de ao voltar do sonho olhar para o lado e ver que passou a vida com alguém que não amava.

Mas não.


Era solteiro e acordou com o despertador o despertando.

Se tomasse café passaria mal, ou bem, dependendo do que dizia a mais nova pesquisa da semana sobre o café.

Corria o risco de derramar o líquido e além de trocar a roupa e se atrasar, queimar a perna.

Havia ainda a chance de a bebida o deixar mais animado para o trabalho.

Mas não.


Tomou um achocolatado e saiu.

Se fosse de carro era possível que fosse assaltado no semáforo e, reagindo, tomar um tiro na fuça.

Não era impossível que fosse um dos participantes do maior engavetamento da história da cidade, que envolveu 748 veículos (com ele seriam 749).

Passar por uma manifestação também estava dentro das possibilidades, já que naquela manhã havia um protesto real com pessoas que carregavam faixas com dizeres do mundo virtual que defendiam os direitos dos animais de estimação de também ter um animal de estimação, já que eram bichos de estimação de pessoas que não tinham estima.

Mas não.

Não tinha carro e foi de ônibus.

No ônibus arriscou-se a encontrar alguém que conhecia, mas não queria conhecer e ser obrigado a conversar com essa pessoa mesmo sem ter o que conversar.

O ônibus em que estava também poderia ser sequestrado por um sobrevivente de uma chacina de moradores de rua que o manteria no ônibus por quase cinco horas.

Teve a chance também de esbarrar com uma moça, derrubar sua sacola e quando abaixar-se ela também se abaixar e os dois pegarem a sacola e levantarem se olhando e essa mulher ser a Julia Roberts e ele se apaixonar e casar com a Julia Roberts, que lhe acordaria com um inesperado sexo oral matinal.

Mas não.

Nada de inesperado aconteceu e ele chegou ao trabalho normalmente.