sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O fanfarrão

Sem dúvida era um grande gozador. Nunca vestiu um terno na vida. Nem uma camisa social. Sequer uma pólo.

Até pra trabalhar era mais comum vê-lo de camiseta, bermuda e chinelo. Isso que era o patrão. Os funcionários ficavam putos com aquilo. “O cara ganha muito mais que eu, trabalha muito menos e anda vestido daquele jeito. Trabalhar pra um cara assim é foda”.

Se por um lado despertava a ira por outro era adorado pelos mesmos funcionários. Não tinha como não gostar dele. Sempre simpático e atencioso. Só quando era obrigado pelas circunstâncias a trabalhar cedo em plena ressaca é que não era lá aquele poço de simpatia, mas nunca deixou de tratar a todos educadamente.

Pedia uma coca-cola, um café e um engov para a secretária. Trancava-se na sua sala e de lá saia depois de meia-hora como se estivesse novo de novo. Ninguém sabia o que fazia lá dentro para voltar assim, entrava um trapo e saia novo. Talvez comesse a secretária lá dentro pra sair assim tão feliz. Também, traçar aquela gostosa deixaria até o José Serra com um sorriso de orelha a orelha.

Depois do ritual saia fazendo piada com tudo e todos. Alguns perguntavam como ele agüentava beber todos os dias e às vezes trabalhar no dia seguinte. Ele sorria e respondia: “Se não guenta beber não bebe. Eu bebo por que sei que tenho cu pra trabalhar”. “Além do mais...”, continuava, “Não posso deixar o trabalho atrapalhar meu alcoolismo”. E ria. Ria sempre. Toda hora. Às vezes fazia um ar de sério quando ia entrevistar alguém para alguma vaga, mas era só mais uma piada. Deixava o entrevistado enrolado e logo largava a gargalhada.

Vivia rindo e ria vivendo. Um dia parou de rir, ninguém sabe por quê. Mas ainda assim deixou uma última sacanagem.

“Quero ser enterrado de bermuda e camiseta. Jamais de terno e gravata. Com uma roupa assim vão achar que tô morto”, dizia a carta. Entretanto, antes de disparar contra a própria cabeça trajava roupa social. “Tô vestido assim só pra dar mais trabalho”. Ponto final.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A lobisomem

Algo a atrai para fora. Sentia-se encalorada e o chamado constante parecia mais forte. Mas não sairia de casa sozinha, a esmo. No princípio não sabia o que era, mas em uma noite dessas descobriu: era a lua. Lua cheia.

Não sabia quando começou, mas agora era freqüente. Em noites enluaradas um comichão a atacava. A lua parecia a puxar com uma corda para sair e fazer algo. Se fosse realmente por meio de uma corda que a lua a atraia, havia um gancho engatado diretamente na vagina de Josiane. E era justamente lá que seria engatada nessas noites.

Tinha 25 anos. Seus cabelos levemente ondulados iam até o meio das costas. Pele morena, lisa, parecia não ter poros. Seu corpo era belo, não artificialmente como corpos de academia, mas moldado naturalmente. Bochechas minimamente grandes e carregava um eterno sorriso fácil e sincero.

Era reservada, tímida, mas entre amigos se revelava despojada. Tivera apenas um namoro, que pouco durou. Não ficava com qualquer um e não dava entrada para que tentassem. Mas naquelas noites se transformava.

Pela manhã o corpo já agia diferente. Agitada. Quando começava a escurecer olhava para o céu e já estava plenamente decidida: naquela noite iria dar.

Percorria a agenda e localizava o alvo. Começou com aqueles com quem tinha mais intimidade, depois era qualquer um. Ligava e chamava para sair. Ao colocar o corpo para fora a atmosfera lunar parecia sugar toda sua inocência.

Em muitos casos nem saia da frente de casa. Ali mesmo, no carro, atacava o rapaz. Quando conseguia se controlar um pouco saia e posteriormente iam para um motel. Mas tinha sua exigência: motel com teto solar.

Revezava os homens. Caso contrário iriam pensar que ela queria algo sério. Os conhecidos se esgotavam e agora ia com qualquer um. Saia do trabalho e ia para o bar mais próximo. Um rápido olhar era o suficiente para o ataque.

No outro dia nada de telefone, nada de mensagem, nenhum contato. Isolava-se o máximo e refletia por que havia feito aquilo, mesmo já sabendo. Ficava com a consciência pesada, mas logo passava.

Em certa ocasião não conseguiu tranqüilizar-se tão facilmente. Engravidou da lua cheia. Entorpecida de álcool e tesão não lembrava quem foi a vítima.

Numa noite de lua cheia seu filho nasceu. Tinha mais pêlos que o comum. Seu choro parecia um uivo.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O jovem e o senhor

Foi ao centro acompanhar o amigo ao dentista.

Disse que era “rapidinho”, mas a demora o levou de volta à rua. Não agüentava ficar na sala de espera. Se já saiu de casa por não ter o que fazer por que ficaria ali?

Foi até uma praça próxima ao consultório. Em menos de cinco minutos sentado no banco aproximou-se um senhor.

- Posso sentar aqui ao seu lado?

Pensou em dizer “Pode né porra, essa merda desse banco não é meu”, mas respondeu apenas um “aham”.

- Vi você andando ali na rua. Parou para dar uma descansada?

- Pois é.

- Como é seu nome?

- Fábio.

- Prazer Fábio, me chamo Altair.

“E eu com isso porra? O que que esse velho quer?”. Não gostava muito de conversar, menos ainda com estranhos.

- Vem sempre aqui o centro? O que está fazendo agora? Está com alguém? O que você faz?

O senhor o enchia de perguntas, que eram respondidas com a maior brevidade que seu vocabulário permitia.

O senhor dissera ser um funcionário público federal aposentado e que estava sempre naquela região. “Gosto de conversar com gente assim como você”.

“Papo estranho”, pensou. Em intervalos de tempo cada vez menores olhava o relógio e nada do amigo.

Entre assuntos pessoais, futebol, clima surge um “vamos ali naquele bar tomar um chopp? Eu pago”.

Demorou a responder. Aquela conversa o deixou extremamente irritado “e o cara ainda quer tomar um chopp? Por que ia pagar assim, sem mais nem menos?”.

Mas, pensou por outro lado, já que teria que esperar o amigo, tomar um chopp seria uma boa. Não é todo dia que se ganha algo.

- Vamo ali, vamo ali.

Haviam mesas disponíveis, mas ele rapidamente sentou-se no balcão para evitar muita intimidade.

Sentou-se de frente para a televisão onde grudou o olhar mesmo sem nada ouvir. O homem continuava tentando manter o diálogo. Às vezes não respondia propositalmente fingindo não ouvir, mas a estratégia não funcionou. Com isso o sexagenário o tocava para chamar sua atenção. Se já não gostava de conversar ser tocado então...

Resolveu olhá-lo apenas para responder. Os chopps, perguntas e afirmações vinham um atrás do outro e ele já conversava um pouco mais.

Mandou uma mensagem ao amigo e a resposta não o agradou. “Mano, foi mal. Saí do dentista e vc naum tava la. Achei que tivesse vazado, daí vim embora também”. Já que estava ali bebendo gratuitamente resolveu ficar mesmo assim.

Ele estava virado para o balcão e o homem para ele. Paulatinamente direcionava um pouco mais de atenção. Olhava mais, as respostas vinham com um complemento após a afirmação ou negação e às vezes arriscava até um “e você?”.

15 chopps depois de chegarem ao bar já estava meio bêbado, mas o suficiente para perceber isso.
“Falou aí tiozão. Deu minha hora já”. Virou as costas e foi embora.


E o senhor ficou chupando o dedo. Apenas o dedo.