segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mais um

Argumento sem contra argumento. Assim era o “diálogo” do casal brevemente antes do boa noite. Depois disso ela virava para o lado carregando consigo um pouco de raiva e muita decepção. No outro dia tudo voltava ao normal. Voltavam a ser o casal harmonioso que sempre foram.
Harmonia e alegria inclusive já haviam sido argumentos utilizados por ela para ter um filho. Mas nada adiantava, poderiam ser horas, minutos ou segundos que ela dedicava diariamente para tentar convencê-lo ou fazer com que ele ao menos compreendesse a razão de que deveriam ter uma criança. Ele respondia apenas “não, Marina”.
A principal razão dela para tal idéia é a de que deveriam dar uma continuação àquele relacionamento e principalmente um fruto resultante daquele amor.
Ela já pensara até que ele não a amava, mas a hipótese foi descartada. Seria impossível que Thomas não a amasse depois de tudo que viveram juntos. Conheceram-se ainda na faculdade, antes de ele desistir do curso. Após tempos de encontros de suposta amizade começaram a namorar. O namoro já se deu desde o primeiro beijo, ambos sabiam e sentiam que não seria apenas um. Mas 10 anos após o primeiro beijo e casados há cinco ele não queria realizar o sonho dela.
Era incansável sua determinação em tentar convencê-lo. Mais de um ano de tentativa e apenas não em cima de não. Ela já havia pensado até em ter um filho sem o consentimento do marido. Parar de tomar a pílula e pronto. Mas não. Não faria nada que o marido não quisesse, ainda mais sendo algo de tamanha importância.
Embora ela não desistisse ele se encheu de dizer todos os dias a mesma coisa e resolveu apresentar sua verdadeira razão:
- Marina, meu amor. Não posso colocar uma criança em mundo como esse. Mais uma criança. Mais uma criança que talvez tenha seus direitos violados. Mais uma criança neste mundo injusto. Mais uma criança que irá ver outras crianças e adultos passando fome. Mais uma criança sujeita a discriminar ou ser discriminada. Mais uma criança que talvez não tenha oportunidades de vida. Mais uma espectadora para ver pessoas sem teto ou sem terra. Mais um neste mundo bom habitado por gente ruim. Mais uma nesse mundo degradado. É impensável um fruto do nosso amor, tão puro em um mundo tão cheio de ódio.
Marina chorou, Thomas também. Dormiram abraçados como há tempos não ocorria. No outro dia tudo bem de novo. Sem problemas. Ao chegar em casa após o trabalho Thomas teve uma grande surpresa. Um agitado cachorro distraia sua mulher. Ele questionou o que era aquilo e ela calmamente respondeu:
- Você tinha razão amor. Não há sentido colocar mais um humano nesse mundo cão.

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