quarta-feira, 30 de julho de 2008

Onde nasce o futebol



Pensei que ia demorar pra achar, mas me enganei. Me perco até indo à lugares que conheço. Ir a um lugar onde mal sabia onde era o bairro, muito menos a rua, era a declaração de que iria rodar por muito tempo. Encontrei a rua e o local de forma meteórica. Me admirei e dei um largo sorriso ao encontrar o estádio Maurício Fruet.
Chego e fico parado, me adaptando ao local. Depois disso vou à caçada. Passo por uma porta de um local em construção. Pergunto à primeira pessoa que vejo: “Preciso encontrar o presidente do Vasco e do Santa Quitéria. Você sabe quem são?”. Ele me indica outra pessoa, que me indica outra pessoa. O terceiro indicado me fala: “tá vendo aquele lá com cara de bobo lá no bar? De jaqueta de couro? Então, ele é o presidente do Santa Quitéria”. “Aaaaaaaaah valeu”. Vou até o bar. “Você é o presidente do Santa Quitéria?”. Ele joga fora a coxa de frango que comia e limpa a boca. “Sou eu mesmo”. Conversamos e resolvemos nossas questões burocráticas. Primeira parte do serviço resolvida, o que me dá um alívio inicial.
Relaxo. Pego a câmera. Fotografo um pouco do ambiente: estádio, entrada, bar.
Sento na arquibancada. O clima ruim me preocupa um pouco. “E se chover? Como vou fotografar?”. Fico um tempo moscando. O clima muda e o sol começa a brilhar na minha cara, o que me incomoda. Resolvo ficar no bar.
Me dou conta de que devo falar com o presidente do Vasco também. Como o jogo dos Juniores já estava rolando vou conversar com o técnico, que me revela que o presidente não irá ao jogo. Resolvo os perrengues com ele mesmo.
Pronto. Agora é só fazer o trabalho que sei fazer muito bem (pelo menos eu acho que sei).
Mas enquanto isso o que faço? Não sei.
Olho pro balcão e vejo que tem uma Tribuna. Começo a ler o jornal. Leio algumas matérias até a minha leitura ser interrompida por alguém. A mão coloca um pequeno pedaço de papel sobre o jornal. Eu olho para o dono da mão que me diz: “Participa da rifa aí e pega aquela lá ó”. Ele me aponta uma camisa do Santa Quitéria. A camisa está esticada em um dos dois freezers de cerveja, segura por uma imagem de Santa Quitéria. Ele me diz que a rifa custa três reais. Penso que aquela seria a rifa mais cara que eu iria perder.
Nunca compro rifas pensando em ganhar. Nunca ganhei. Só compro pra ajudar quem vende mesmo.
Mas aquela eu fiquei com uma grande vontade de ganhar. Fiquei um tempo namorando a camiseta. Me imaginei usando-a na segunda-feira. Enquanto todos usariam a camiseta dos clubes vencedores na rodada do Brasileiro eu iria vestido diferente. Vestiria a camisa ali mesmo, mas não seria muito bom, pela atividade profissional que estava desenvolvendo.
Continuo a minha leitura, mas atento na rifa. Canso de ler o jornal e fico assistindo ao jogo dos guris. O resultado da rifa sai e....
.... não sou eu que ganho. Merda!
O jogo termina. Agora o trabalho vai começar de verdade. Fico atento com a câmera na mão à beira do campo. Vejo um cara apressado passar com a imagem de Santa Quitéria, aquela mesma que estava apoiando a camisa que eu não ganhei. Resolvo segui-lo.
A imagem me leva ao vestiário do clube. Tento empurrar a porta, mas muitos jogadores bloqueiam a entrada no pequeno espaço. Consigo entrar por uma brechinha da porta, e fico no meio do círculo onde todos estão abraçados, com a imagem no meio. Depois de mensagens pedindo raça, os jogadores rezam como um grito de guerra, com força, ritmo bem marcado e com os olhos fechados. Depois, todos saem empolgados para o jogo, mas sem antes pedir força novamente para Jesus e Santa Quitéria.
A ajuda pedida pelos jogadores funciona. O Santa Quitéria vence com um jogador a menos. E eu, com o mesmo prazer de quem vê o sol nascer presencio o futebol nascer no seu leito: o subúrbio.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A corrida da resistência

Essa noite não consegui dormir direito. Não conseguia me mexer sem que alguma parte do meu corpo reclamasse. E pra piorar, não sei se era verdade, ou algum tipo de ilusão que a minha memória produziu, mas na hora que acordei ouvi lá fora: “Corre, corre, corre, corre”. A dor do meu corpo já tinha passado pra minha cabeça? Lembranças?
Por incrível que pareça, eu não estava sonhando com um jogo de futebol quando acordei com alguém anunciando “corre”, e o meu corpo não estava doido de tanto jogar bola.
A razão pela qual o corpo doía era de alguns cassetetes da Guarda Municipal que andaram deixando esse meu corpitcho roxo, e a palavra “corre” veio seguida de algumas bordoadas nas pernas.
Bem, melhor começar do começo né?
Sabadão rolou um luau maneiro ali no bosque do Saturno. Saca o Saturno? Pois bem, o Saturno é um conjunto habitacional que fica no bairro do São Braz. É um lugar bem suce. O bosque é um lugar cheio de árvore, como os bosques costumam ser. E eu fui até lá. Ia ter umas bandas de reggae tocando. O lance ia ser total maneiro. Reggae, fogueira, galera curtindo. Mas depois de 15 minutos que eu estava lá chegaram os homens da lei. Com lanternas na cara de todo mundo, gritando e botando a galera pra correr.
Nessa correria todos deixaram seus pertences pra trás, como mochilas, bicicletas, skates e afins.
Eu, o Guylherme Custódio, resolvi ir atrás de alguns pertences desse pessoal.
Quando estou quase entrando no bosque, o funcionário pago com o dinheiro do imposto que eu mesmo pago resolve me negar o direito de entrar em um local aberto:
- Você não pode entrar aqui?

-Por que não?
- Por que não.
- Mas o Bosque não é público?
- É sim. O bosque é público, mas também tem gente querendo dormir.
- Mas então se tem gente querendo dormir o Sr. não pode conversar educadamente?
Ele não me dá uma resposta verbal, mas física. Me dá com a ponta do cassete bem no peito seguido de um chute.
Tudo bem? Claro que não. Mas se soubesse que as coisas iriam piorar eu juraria que estava tudo bem.
Cinco minutos depois chegam mais duas viaturas, uma da Rotam e outra da Polícia Militar.
Aí os rapazotes da Guarda Municipal resolvem vir pra cima de mim, só por que agora estão acompanhados da sua turminha.
O moço de farda azul me pega pelos dread locks e me arrasta pelo cabelo por uns três metros, até a grade onde as outras pessoas que estavam no luau já estão encostados. Ele tira a arma e encosta na minha cabeça. Nesse momento fico morrendo de medo. Já pensou se por acidente aquela arma dispara na minha cabeça? Eu iria morrer somente por gostar de Luau, por ouvir reggae e por querer me divertir em um local público.
Felizmente, esse meu pensamento infeliz não se concretizou.
Mas aconteceram coisas que não foram nada boas.
O Guarda Municipal começou a me bater com o cassete na Panturilha e nas coxas, depois gritou na minha orelha: “Quero ver você se crescer agora seu bosta. Cresce. Creeesce. Seu bosta!”.
Fico quieto, tentando ao máximo apanhar sem demonstrar dor. Depois de muito me bater ele diz: “Agora corre. Corre. Eu quero ver você correr. Não para de correr”. Mesmo depois de ter levado várias bordoadas de cassetete na perna me esforço pra correr. Corro o máximo que posso. Até encontrar um grupo de pessoas, que como eu, não estava matando ninguém, não estava estuprando ninguém, não estava roubando ninguém e só queria se divertir, mas mesmo assim tiveram que fugir dos homens da lei, afinal, se divertir é contra a lei, pelo menos foi o que aprendi nesse sábado.
No momento em que encontro o grupo a polícia nos encontra. E pra variar. Quem é o perseguido da vez?
Eu. Um rapaz de sorte. Eu tenho tanta sorte, mas tanta sorte que eles nem me revistam. Só me batem. Me batem e depois dizem: “Eu já mandei você correr. Corre caralho”.
Chego no bar perto de casa. E adivinhe quem chega depois que eu? Ninguém mais ninguém menos do que os meus funcionários, aqueles pelos quais trabalho todo o mês para que me dêem segurança e ao invés disso me batem.
Felizmente, no bar eles não me encontram.
E aí fica por isso. O resultado parcial do que você e eu, cidadãos, pagamos pode ser visto abaixo.
A propósito: infelizmente não pude anotar o nome do meu empregado, para que eu desconte isso no final do mês. Mas anotei a placa do veículo. Será que adianta? Bem. Aí vai: ASA-4058.



quarta-feira, 9 de julho de 2008

Telemarketing 2

Apressado pra sair de casa, passo ao lado do telefone e ele toca (coincidência? Magia? Acho que não).
- Boa tarde. Eu poderia estar falando com o Sr. Guilherme (ela também não sabe que meu nome é com “Y”).
- É ele.
- Olá senhor Guilherme. Devido ao bom relacionamento que o Sr. tem com nosso banco estamos oferecendo uma nova promoção ao senhor. Qual é a sua profissão atualmente Sr. Guilherme?
- Estudante.
(Estudante é a única profissão do universo em que você paga pra trabalhar).
- O senhor tem alguma forma de renda, mesmo que não seja comprovada Sr. Guilherme?
- Não.
- Ókei, obrigada pela sua atenção Sr. Guilherme. Tum, Tum, Tum...

Telemarketing 1

O telefone me acorda às 10 horas da manhã em um belo dia de férias. Assustado e não muito bem humorado levanto da cama quentinha pra atender ao telefone:
- Bom dia eu poderia estar falando com o Sr. Guilherme?
(Ele não sabe que me meu nome é com “Y”).
- É ele.
- Bom dia Sr. Guilherme. Devido ao bom relacionamento que o Sr. tem com o nosso banco nós estamos oferecendo uma nova promoção ao Sr.......
Grande parêntese: (Detalhe importante: certo dia, sem pedir absolutamente nada, fui presenteado com um cartão do tal banco, da mesma forma que fui premiado com esta ligação. Como não solicitei absolutamente nada, nem mesmo desbloqueei o cartão. Mesmo assim o rapazote que tem no mínimo cinco anos a mais que eu e me chama de “Sr. Guilherme” insiste em dizer que eu tenho uma “boa relação” com o “nosso” banco).
- ...nós estamos oferecendo uma promoção ao senhor em que o senhor investe no nosso banco uma quantidade simbólica de 20 R$ pela duração de 60 meses. Com essa promoção de capitalização você recebe dois números de seis dígitos e concorre toda semana a sete sorteios de R$ 7.000,00. Se você for sorteado, o seu título será resgatado automaticamente, recebendo 100% da Provisão de Capitalização. Se até o final do título você estiver com o pagamento em dia você resgata tudo que pagou......
Ele fala sem respirar, para que eu não tenha tempo de pensar sobre o que ele está falando. De certa forma está dando certo. Mas estou pensando em como vou dizer “não” a ele.
-......Para confirmar a sua participação na nossa promoção eu preciso apenas confirmar alguns dados do Sr., Sr. Guilherme.
Penso que essa é a hora. Essa é a hora em que sou obrigado a acabar com os sonhos dele. Eu poderia dizer logo de inicio que não queria nada, e que não tenho relação alguma com o banco “dele”. Mas acho que seria muita indelicadeza, falta de educação e consideração. Com o coração na mão disparo:
- Desculpe-me, mas não tenho interesse em participar da promoção.
Ele me questiona:
- Mas por que não senhor Guilherme?
Eu tento fazer com que a história acabe por aqui, mas que não seja nada muito traumático:
- Nenhum motivo em particular!
Mas ele prefere a forma mais difícil:
- Mas porque senhor Guilherme? O senhor não gosta de ganhar dinheiro?
- Não! Não gosto não. Odeio ganhar dinheiro.
- Ókei, obrigada.